Celebrei em crônica anterior os 100 anos do Copacabana Palace Hotel e o belo livro que o jornalista Ricardo Boechat pesquisou e escreveu sobre ele em 1999.
Depois de amanhã mais um centenário, já que nesta quinta-feira 31 de agosto um Mito da vida brasileira, a cantora Emilinha Borba, nascia em pleno Morro da Mangueira (Rio) há exatos 100 anos (1923).
Como celebrar com o rótulo de Mito uma cantora de rádio, uma mulher que nem teve a voz de Maria Callas, nem a graça e fama de Carmem Miranda?
Sim, caros leitores, Emília Savanah da Silva Borba foi Mito porque foi um fenômeno de comunicação com o povo deste país. Por que? Pelo fato que tantos sociólogos e especialistas em comunicação insistem em testemunhar. Ela arrebatou o país em pleno auge da radiofonia, da Era do Rádio, tanto por sua presença e sua simplicidade, quanto por sua semelhança com a identidade típica da mulher brasileira. Como assim? É assim: simpatia, beleza e “morenice” no tamanho exato, além de voz natural e sem exageros de emissão. E, o essencial, uma mistura de parecer uma filha de um lar brasileiro comum com uma certa modéstia cativante. Embora de fato uma rainha, ela sempre aparentava ser uma princesa discreta, dócil e disposta a amar e retribuir a quem lhe quisesse bem. A possível e natural delicadeza em “ser assim” sempre foi o grande trunfo de Emilinha Borba.
Aliás, quando me referi ao fenômeno de comunicação Emilinha no Brasil em palestra na Universidade de Nova York, dezenas de professores e alunos norte-americanos assentiram sem discordância. Eles lá longe reconheciam o fenômeno Emilinha.
De fato, pude testemunhar em pesquisas que fiz em arquivos por aqui que ela foi a mulher mais popular do país ao longo da década dos anos 50, muito mais que a Primeira Dama Dona Darcy Vargas, ou figuras como Marta Rocha e as demais Misses Brasil, que recebiam popularidade instantânea. Mesmo concorrentes suas, cantoras popularíssimas como Dalva de Oliveira ou Marlene, sua mais célebre rival a partir do momento em que a paulista arrebatou o título de Rainha do Rádio em 1949. Que Emília conquistaria em 1953-54, mas com o dobro da votação das vencedoras anteriores.
Emilinha, pasmem, mereceu capas de todas as revistas do país por 350 vezes. Semana sim, semana não, lá estava La Borba na capa da Revista do Rádio ou da Radiolândia.
Filmes? Contei no nosso Dicionário Cravo Albin que ela teria participado de mais de 30 películas, alguns delas (poucas, é verdade) também como atriz. Isso além do número tradicional ao cantar seu sucesso musical do momento.
Emília certa vez me disse que chegou a confidenciar ao Presidente Vargas que teria corrido o país de ponta a ponta mais de seis vezes. Sempre com praças lotadas e com algumas cidades em decreto de feriado municipal apenas para recebe-la. Vargas apenas retrucaria – “que inveja, minha filha, tenho de você”.
Em 1939, antes de completar 18 anos ela deslanchou, contratada pelo Cassino da Urca como crooner a pedido de Carmem Miranda. Logo também seria contratada para rodar seu primeiro filme, Banana da Terra, e gravaria de imediato seus primeiríssimos discos, Pirulito e Faça o Mesmo. Jamais parou desde então, a não ser entre 1968-1972 quando anunciou ao país perplexo que se retiraria de cena por causa de grave edema nas cordas vocais. Do qual se reabilitaria e voltaria em plena forma. Eu posso testemunhar isso porque para ela escrevi e dirigi seis espetáculos individuais, dos quais um ao lado de Jorge Goulart, que resultou no histórico LP “Oh, as Marchinhas”, de veiculação internacional. O outro com João Roberto Kelly – “Quero Kelly” em que Emilinha celebraria a obra do velho amigo, autor de seu sucesso “Mulata Bossa Nova” (1965).
Eu convidaria ainda Emilinha para juntar-se à Marlene no LP duplo “Há Sempre um Nome de Mulher”, em que ambas foram os grandes destaques e no qual elas se declararam muito amigas. Reitero aqui, “muito” em termos. Ambas de fato se respeitavam. Mas amigas íntimas mesmo, pra valer, nunca foram. Palavra de pesquisador…
Cabe-me aqui, para finalizar, observar a extrema importância dos melhores amigos de cada uma dessas grandes intérpretes do Brasil, os integrantes de seus fã-clubes. Convivi com seus dedicadíssimos amigos, os de Marlene e os de Emília, e pude comprovar que de fato só Mitos especialíssimos podem merecer tanta dedicação, atenções e mesuras. Ambas sempre me disseram: “São de fato minha verdadeira família, a quem não sei como agradecer.”
Já que celebro neste texto Emilinha no centenário de agora, refiro-me ao presidente do seu maior Fã-clube, o Marinho. Que guarda em seu pequeno apartamento um Museu Emilinha Borba, com centenas de faixas, troféus, fotos e vestidos. Tudo que se possa imaginar de pequenas (ou mesmo grandes) delicadezas de fãs e devotos do Mito o dedicado Marinho conserva como relíquias.
E falando em homenagens, tenho o prazer de informar que o Presidente da Rádio Roquette Pinto, Fernando Nogueira, atendeu de imediato à minha sugestão de a Emissora Oficial do Estado do Rio prestar tributo a Emilinha de hora em hora nas 24 horas do dia 31 de agosto. Acabo de gravar 24 programas de 2 a 4 minutos “A Felicidade bate à porta do centenário de Emilinha Borba. Por ordem da Roquette, na voz e produção de Ricardo Cravo Albin”. A que se segue um a um dos maiores sucessos de Emilinha.
Também no sábado, das 9h às 11h, apresentarei meu programa Carioquice, com especial de quase duas horas de duração com os sucessos de Emilinha. Repetido às 23h da noite de segunda-feira, dois dias depois.
Cabe ainda informar que a Missa do Centenário na Igreja São Francisco de Paula (Largo de São Francisco) às 10h da manhã de 31 de agosto contará com a Banda Corpo de Fuzileiros Navais e Coral da Escola Municipal Ginásio Emilinha Borba, que prestarão reverências à Favorita da Marinha.
Ricardo Cravo Albin
29/08/2023