Estou acompanhando, como todo mundo, a escalada da guerra entre Israel e o Hamas, agora em risco de se espalhar para outras fronteiras impondo severos alertas à paz mundial.
Tudo o que temia desde minha primeira matéria, imediatamente em seguida tanto ao ataque terrorista do Hamas a civis indefesos quanto às candentes declarações de guerra total sem tréguas por parte de Netanyahu.
Por conta disso, gostaria de citar o que acabo de ler ontem, domingo, na coluna da Dorrit Harazin do Globo. A sempre lúcida jornalista indaga – “Poderia ser pior? Sim, e muito. Basta imaginar o Brasil e os Estados Unidos ainda em mãos de Bolsonaro e Trump, com ambos encorajando os piores instintos do radical premier israelense. Também causaria calafrios ao planeta se o extremista de direita Jim Jordan ocupasse a Presidência da Câmara dos representantes nos EUA, logo ele, um legislador golpista e partidário de política radical de terra arrasada”. Dorrit conclui agudamente – “A trágica história do povo judeu criou a tragédia atual do povo palestino, resumiu o pensador francês Edgar Morin (hoje aos 102 anos), talvez um dos últimos adeptos do “universalismo”, a convicção de que determinados princípios e ideias trazem embutidos um valor universal, que transcende nações, fronteiras e laços de sangue”.
Exatamente dentro dessa tese do universalismo pragmático, leio no Globo do dia anterior, sábado, 21/10, interessantíssima entrevista de um dos meus escritores israelenses preferidos David Grossman, que perdeu um filho na guerra do Líbano e que tem a coragem de reiterar o que Netanyahu parece negar em tantas declarações – “vinganças só criam sociedades dominadas pelo ódio. E peço como pai de filho morto cessar fogo humanitário em Gaza, bem como punição ao Hamas.” Grossman é também uma das vozes mais respeitadas da cultura israelense e um soldado pela paz. Seu filho foi morto na guerra do Líbano pelo Hezbollah e ele de imediato foi à público (ao lado de escritores judeus mundiais como Amóz Oz e A. B. Yehoshua) para pedir a paz. E não vingança imediata. Grossman desviou sua dor lancinante para a literatura e deu à lume a obra-prima “Fera do Tempo” (2012). Agora, contudo, vem a público para se declarar mais uma voz pela paz, ao advertir sobre os extremismos em seu próprio país: “esses ataques cruéis do Hamas podem fortalecer ainda mais os fundamentalistas, os fanáticos de Israel. De fanáticos, já “chegam os do outro lado”. E acrescentou com sabedoria – “outro dia ouvi alguém dizer no governo de Tel Aviv que o Hamas nasceu apenas para matar judeus. Não, o grupo terrorista nasceu como todos seres humanos. O que estou dizendo não tira a responsabilidade do Hamas, nem joga nos outros a culpa que é deles. Mas é preciso entender como e porquê eles se tornaram os monstros de hoje”. E continua o grande escritor (a quem, aliás, pretendo convidar a vir ao Rio fazer palestra no Pen Clube) agora já observado pelos olheiros como candidato ao próximo Nobel Mundial da Paz: “Eu fervia de ódio quando perdi meu filho. Entendia o desejo de vingança. Mas vingança não é política, não transforma, só abastece sociedades cheias de ódio. E mais: se não quisermos que o conflito pelos palestinos siga entrincheirado, devemos, deve o estado de Israel, permitir que eles se infiltrem em nossa mitologia. Não perderemos nossa identidade, apenas vamos enriquecê-la a partir do contato com a realidade.”
Para resumir o estágio trágico em que nos encontramos nessa Guerra crudelíssima: o direito de resposta (e de defesa) de Israel à ignomínia a que seu povo foi exposto, é inegável. Esse direito de defesa pressupõe o respeito às normas de civilidade que regulam as relações entre dois povos em guerra. Ou seja, os civis devem ser protegidos tanto quanto os combatentes do Hamas (agressor) devem ser alcançados. Aí está o perigo que se tem quando a situação é administrada por extremistas, o direito de defesa não deve significar o “olho por olho, dente por dente” que abre as estradas para a simples vingança, sem freios, nem limites. Insisto: trata-se aqui de divergências históricas e seculares. De fato, há um abismo entre a monstruosidade do ataque terrorista deliberado e inimaginável do Hamas e a resposta (de legítimo direito), o de defesa. Mas sim, Israel deverá se defender, não necessariamente se vingar. Cabe não acionar a lei do “olho por olho, dente por dente”, a lei da barbárie de tempos imemoriais. A mesma barbárie que alimentou o Holocausto da 2ª Guerra Mundial. De fato, alimentar o mal do dente por dente foge às entranhas da civilização. Mas como e até que ponto impor-se o castigo ao Hamas? Eis a questão. Ricardo Cravo Albin