“A dor é a única emoção que não carece de máscara”.
Caio Fernando Abreu
Nesta última quinzena o Brasil comprovou o acúmulo de máscaras tombadas ao chão. Isso ao nos deparar com a conjugação insensata de duas crises seríssimas.
A crise política, patrocinada pelo Presidente da República, teve início com a substituição do Presidente da Petrobrás porque teimou em seguir o correto: o protocolo de todos os países do mundo em relação à preços internacionais de combustíveis. Resultado: Bolsonaro fez mais um gol contra à economia, favorecendo o populismo eleitoral para 2022. O que fez atingir a desconfiança do mercado e a de quem ele mesmo chamou Poste da Petrobrás, o Ministro Guedes. E o crescendo de erros culminou dias depois com a demissão do Presidente do Banco do Brasil. Ou seja, Bolsonaro até parece que quer remontar o governo à sua maneira. Isso depois de declarar na campanha que nada entendia de economia.
Suas supostas competência e sabedoria nos fazem gemer de dor. E de angústias por comprovar o país descendo a ladeira. A última inconveniência do Presidente foram duas: o absurdo e o despudor de sugerir o abandono de máscaras, o que centenas de organizações sanitárias do mundo estão a protestar. E a má vontade do Mistério da Saúde em liberar aos estados à compra direta de vacinas, venham de onde vier (desde que avalizadas pelos órgãos de controle). Afinal vivemos em emergência pelo agravamento da pandemia que provoca angústia e ansiedade. Que a população brasileira experimenta dia a dia na carne.
Quando me refiro nesta crônica a máscaras, antes mesmo das necessárias máscaras higiênicas contra a pandemia, acode-me de imediato a utilização poética delas, cuja culminância sempre adentrou o carnaval a partir de tempos medievos, ou seja, os bailes mascarados de Veneza.
Os folguedos no Brasil privilegiaram músicas sobre máscaras desde sempre. Ocorre-me agorinha mesmo duas preferidas minhas, não nego, e que cabem como paráfrase à ambas as crises a que me refiro, a político-moral e a pandêmica-hospitalar.
Quando acompanhava perplexo esses disparates, surpreendi-me a cantarolar o samba de Luiz Antônio – “Máscara da Face”, sucesso do carnaval de 58 pela voz de Dircinha Batista – “deixou, deixou, deixou/deixou cair a máscara da face/mostrou, mostrou, mostrou por fim/que nunca teve classe”. Como dizia o poeta Orestes Barbosa “sua máscara um dia vai cair, afinal toda cobra troca de pele”.
Regalado pela minha própria cantoria para tipificar a insatisfação do procedimento pessoal do presidente acrescentei uma das minhas melodias de coração, cantarolando a Noite dos Mascarados, obra primicial de Chico Buarque. Cujo verso inicial indagava sobre “quem nunca teve classe”. O dueto buarquiano pergunta – “quem é você/adivinha se gosta de mim/hoje os dois mascarado/procuram seus namorados/perguntando assim,/quem é você/diga logo/que quero saber seu jogo…”. O beneficiário do jogo estaria claro como água, e não seria senão quem tivesse a caneta para nomear quem lhe aprouvesse. E fazer qualquer coisa que lhe batesse à cabeça transversa.
Aliás, sobre isso dois outros poetas cunharam pensamentos oportunos. Ledo Ivo, impositivo, declarou que “na vida precisamos usar máscara/pois ninguém nos reconheceria de rosto nu”. Enquanto Octávio Paz se sentia prisioneiro da hipocrisia “estamos condenados a inventar uma máscara, e descobrir depois que ela será nosso rosto verdadeiro…”.
Enquanto a crise política continua a vicejar, a epidemia cresce. Por isso, me valho de dois versos ainda do Chico – “eu quero morrer no seu bloco/eu quero me arder no seu fogo”. Claro que me refiro à carapuça dupla, a do morrer no bloco dos que se arriscam sem máscaras pelas ruas, e a do arder no fogo dos leitos insuficientes e mal equipados.
Entendi uma verdade, com amargura: essa população que se expõe sem pudor em festas e até em bailes de centenas de pessoas de 3ª idade se converte em insanidade. Podendo condenar os velhinhos trêfegos às portas de hospitais lotados.
Resumo minha solidariedade aos infectados com a frase profética de Caio Fernando Abreu, “a dor é a única emoção que não carece de máscara”.
Ricardo Cravo Albin