Este 2022 é certamente um ano diferenciado e, por isso mesmo, histórico. Claro que o registro do bicentenário será sempre o maior evento deste 22, porque define o nascimento do Brasil como nação independente com o brado “Independência ou Morte” do nosso herói nacional Pedro I, o príncipe galante Pedro de Alcantara, o inspirador heroico Duque de Bragança, o único monarca a ser descoberto agora compositor de música erudita (revelado com livro e CD do Instituto Cravo Albin, com o patrocínio da FAPERJ).
Mas cumpre lembrar da Semana de Arte Moderna (de 1922 em S. Paulo) e do nascimento do bairro mais original do Rio, a Urca, também em 1922. Foi o último bairro da cidade a nascer. Seria como um aterro, o do Morro do Castelo, que a Urca apareceu sobre as águas da Baía. Até 1921, a região se resumia a uma via, a atual Avenida Pasteur que era nessa época a Praia da Saudade. Nem a palavra Urca existia. Já em 1922 o aterro começava a desenhar um dos recantos mais adoráveis da cidade, o último dos seus bairros, talvez o mais encantador cartão postal da cidade de São Sebastião. Plantado na entrada da Baía, onde Estácio de Sá criaria uma pequena vila fortificada aos pés do Morro Cara de Cão, em 1º de março de 1565. O novo bairro, uma surpresa para os cariocas, foi um empreendimento imobiliário assinado com a prefeitura. O contrato de 1921 para o começo do aterro frente aos morros da Urca e do Pão de Açúcar não foi cumprido pela empreiteira, de imediato substituída por uma outra empresa. Que vai de 1922 até 1935 para concluir todo o projeto.
Nesses primeiros cem anos que agora celebramos, o bairro se definiu como o maior complexo de escalada urbana da cidade, com cerca de 350 vias, além da trilha mais reconhecida do Rio, a do Morro da Urca, que sai da Pista Claudio Coutinho. Por ela, as estatísticas apontam uma surpresa, chegam a passar 20 mil pessoas por mês. Degradada no passado, hoje a formosa trilha entre a verdejante Mata Atlântica e o azul do mar foi recuperada e está um brinco, graças à parceria entre o Movimento Nacional dos Morros da Urca, Pão de Açúcar e o Bondinho, que adotou tanto a trilha quanto a Pista C. Coutinho, com as benções da AMOUR, o adorável nome que batiza a sempre atuante associação de amigos e moradores do bairro.
“Nesses primeiros cem anos que agora celebramos, o bairro se definiu como o maior complexo de escalada urbana da cidade…”
A Urca é cercada por originalidades que vêm desde seu tardio aparecimento como bairro essencialmente residencial, sem garagens, com gabarito de quatro pavimentos desde seu início. A Urca – como toda a cidade – já foi vítima de torpe especulação imobiliária ao final do século XX, quando alguém de péssimas intenções quis alterar seu gabarito de prédios. Foi salva em tempo recorde por decreto do então prefeito Saturnino Braga que fez retornar o gabarito permitido em quatro andares. Mas alguns espigões a furar a beleza do bairro ainda podem ser vistos enfeiando o perfil de nosso adorável apêndice desde o Flamengo, Botafogo e mesmo do Centro.
Hoje, o Bairro, e este cronista também, vemos com muita esperança o icônico Cassino (depois TV Tupi, depois IED) ser transformado em Escola Modelo pelo grupo empresarial ELEVA, do confiável empresário Paulo Lehman, que promete inaugurar este esforço em dezembro de 2022. O que virá a qualificar o prédio mais reconhecido do “bairro das quatro letras” (como foi chamado por inúmeras cantigas populares desde a época de ouro dos cassinos e da era do rádio).
A Urca – cabe registrar com orgulho – é a paz do interior dentro de uma cidade febril. Quando aqui cheguei para instalar o Instituto Cravo Albin em 1980 soube de um dos mais deliciosos de seus segredinhos – “por aqui a única mudança de endereço possível será sempre um único, o cemitério”. Mudar-se da Urca, nem pensar… Assim pretendo eu.
“por aqui a única mudança de endereço possível será sempre um único, o cemitério”
Ricardo Cravo Albin