Nunca me esqueço de que, em conversa há muitos anos com o nosso grande Nelson Rodrigues, disse-me ele uma daquelas verdades acachapantes, tão a seu gosto. “Uma cidade que não preserva os seus Teatros está condenada a pastar bovinamente, ou seja, um rebanho de vacas mugindo, mas tangidas por jumentos travestidos de administradores”. Nelson, com cava melancolia no olhar, acrescentou que nada lhe doera tanto quanto a destruição do Teatro Lírico e os demais da Praça Tiradentes, a começar pelo Recreio, onde as mais belas mulheres punham-se despidas nos luxuosos espetáculos de Walter Pinto. O dramaturgo estava coberto de razão, porque os Teatros são as casas onde as paixões, misérias e grandeza humana, além da beleza, se põem de pé, ganham vida, fazem circular a arte como sangue nas artérias.
O Rio vem sendo useiro e vezeiro em destruir Teatros sem dó nem piedade. Dos cinemas, nem é bom falar, abatidos desde os anos 80, pique da especulação imobiliária.
Voltando a Nelson, ele também me disse que tinha especial simpatia pelo Teatro Glória, agregado desde sempre ao hotel do mesmo nome. Pois bem, passando esta última semana por lá pude ver, horrorizado, aquilo de que já sabia há muito tempo. O Teatro foi impiedosamente destruído pela insanidade da reforma radical (e de gosto duvidosíssimo, para se dizer o mínimo) do Hotel Glória, de tanta tradição. Ou seja,nesta segunda década do século XXI o Rio vê – e não impede – que aventureiros destruam o que quiser, alegando melhorias que jamais são concluídas com um mínimo de sensatez.
Meu desejo para 2014 é a volta do Teatro Glória, mesmo se o hotel não se concluir. E observem que nós, cariocas, temos uma lista que não tem mais tamanho para tentar melhorar o Rio no ano que chega daqui a pouco. Mas eu sou modesto: quero apenas de volta o meu inesquecível Teatrinho.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin