O pintor Carlos Scliar, que morreu aos 80 há doze anos, é um dos mais eloquentes artistas de sua geração. Ele – ser humano raro – deixou um preciosíssimo acervo em seu casarão colonial de Cabo Frio. Scliar teve a sorte de adotar como filho um homem extraordinário, o Francisco, que preservou não apenas a casa, como todo um museu dentro dela, com seus quadros e os de amigos com os quais conviveu como Di Cavalcanti, Bonadei, Djanira, Glauco Rodrigues, Krajcberg, Farnese, Anna Letycia e dezenas de outros. Pois bem, a viúva do herdeiro, Eunice Scliar, seguiu-lhe a trilha e, além de preservar em condições ideais o casarão, digitalizou todo o acervo, com o apoio da Petrobrás.
São milhares de itens que vão das telas, xilogravuras e desenhos
até às fotos, livros e cartas, cuidadosa e amorosamente preservados em seu ateliê. Sempre que ia lá, deslumbrava-me tanto com a beleza de tudo o que havia dentro do casarão quanto com o convívio ameno, austero e organizado de seu proprietário, que mais me parecia um sábio, além de grande pintor.
Entre os 10 mil itens catalogados, estão preciosidades como o Clube de Gravura, uma série de obras de arte em papel colecionada com o rigor de Scliar. Ele, que em 1944 já era um jovem artista reconhecido pela crítica, foi convocado para a guerra e, também por razões ideológicas (de origem judaica e comunista), desenhou a nanquim o dia a dia dos soldados brasileiros na
Itália. Essa crônica particular da guerra foi publicada em 1969, com textos do amigo Rubem Braga (correspondente de guerra), sob o título de Caderno de Guerra de Carlos Scliar. Os originais também fazem parte do acervo digitalizado, ao lado de cartas preciosas de seus amigos Mario de Andrade, Jorge Amado, Vinicius, Clarice Lispector, Niemeyer e Prestes. Em catálogo de uma de suas exposições, Carlos Scliar enuncia suas inquietações ante a vida e diz que “gostaria de que os homens soubessem pensar e agir na defesa do que é belo e justo. Isso é essencial para todos”.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin