“Os que acompanham as diversidades do pensamento e as originalidades de certos filósofos podem ficar surpresos, até perplexos, com teses cujas bizarrices podem ultrapassar nossa contemporaneidade. E mesmo a lei natural da procriação humana.”
Ainda ontem, amigo da Universidade de Nova York, velho companheiro de estudos ditos “avançados” sobre comportamento do meio social na virada dos anos 60 para 70, quando se esboçaram revoluções provocadas pelo poder jovem bem como esforços das diásporas que desaguaram em festivais livres e provocadores em costumes.
Ele me perguntou, quase a queima-roupa, como o Brasil ainda não aumentou sua população. Ele de amplíssima dimensão territorial e de população ainda aguardada para se expandir no caminho da Índia e da China, responsáveis hoje, graças aos territórios monumentais, pelas duas maiores populações do planeta. E insistiu, o Brasil terá que aumentar sua população.
E daí? Esbocei um muxoxo de desagrado ao colega americano. Você estará sugerindo isso mesmo o que deduzi de sua fala? Que o Brasil se torne superpotência de partos e de aumento de população?
Meu interlocutor foi direto: -“é isso mesmo, aqui não admitimos mais, como país estratégico e ainda beligerante, que se “murchem” as populações. E quando precisarmos de mão de obra para tudo, mesmo para guerras de larga duração? Não iremos contratar forças mercenárias como as de Putin, que quase se viravam contra o próprio chefe há poucos dias, chegando a 400 km de Moscou.”
– “Não, meu caro, não creio que nenhum estrategista do Brasil possa apregoar a superpopulação. O que observo por aqui – tal como você observa por aí nos EUA – é que antinatalistas proliferam, ou seja, muitos casais clamam pelas dificuldades de organização operacional dos pais que rejeitam ter filhos pelas deficiências naturais dos serviços públicos providos pelas autoridades, das quais se sobressaem escolas, saúde, lazer e até maiores cuidados com vida saudável para jovens e adolescentes”.
Fui pesquisar nas redes sociais e encontrei um grupo no Facebook com 1.300 membros, cujo maior expoente é o filósofo David Benatar da Universidade de Cape Town, da África do Sul. Sua ideia – seus apoiadores o chamam de novo Sartre do sec. XXII, enquanto seus opositores o qualificam de Anti-Sartre do sec. XXII. Segundo ele, existir é sempre um dano grave. Ninguém, em circunstância alguma, deveria procriar, ter filhos, parir mais um para um planeta falido. Ele filosofa, canhestramente, que pessoas ponderadas devem refletir e parar para meditar, em vez de rejeitarem aquilo que o futuro em breve aclamará – o antinatalismo! Claro que quaisquer tentativas de o antinatalismo se instalar à força, ele será primo-irmão do mais sórdido nazi-fascismo, descabida intervenção na lei natural que acompanha a humanidade desde o berço, a procriação.
Já para determinados psicanalistas que apregoam o antinatalismo como política sanitária com acenos a vasectomia, contraceptivos, laqueaduras e abortos, o debate antinatalista pode aumentar.
Este movimento foi considerado esdrúxulo e/ou nazifascista por alguns filósofos, até quando o indiano Raphael Samuel decidiu processar os próprios pais por ter sido concebido sem o seu consentimento. A mãe, de certo, foi exemplarmente lógica na Corte junto ao juiz ao perguntar ao filho que explicasse como o feto que ela geraria poderia dizer que não admitiria vir a nascer. Mas ainda assim revelou na Corte que admirava a preocupação do filho com o sofrimento humano e suas cavilosas dificuldades para sobreviver. E, o essencial, quais mecanismos lhe seriam assegurados ao filho a nascer para ser feliz?
Li em matéria de jornal que o filósofo Amato, ao citar texto de Freud, assegura não ter o ser humano possibilidade de tudo decidir, até se deve nascer ou não. Nem tudo o ser humano pode escolher, tal como asseverou Freud. Ou seja, o assunto ainda é polêmico, talvez por demais fluído para que os debates incipientes possam fornecer sequências produtivas. Ou práticas.
Tudo é ainda inédito, ou mesmo ainda no campo hipotético da filosofia empírica. Será longa a distância até que eventuais debates sobre antinatalismo possam se converter em regras, regulamentos e até leis. A satisfazer grupos considerados por alguns sectários. Ou fanáticos. Esses seriam filósofos que ainda flutuam no espaço e no sonho da ficção. E que precisam pousar, sobretudo na realidade do homem de hoje. Ao menos respeitar a lei da evolução natural.
Ricardo Cravo Albin