Em uma festa na casa do Ricardo Cravo Albin, apresentado por nosso amigo comum o poeta Sergio Natureza, conheci o Fernando de Oliveira. Fiquei surpreso e estarrecido ao perceber o seu conhecimento em relação às plantas e logo pensei que fosse, além de grande letrista, também botânico – depois descobri que era médico veterinário -. À medida que caminhávamos por várias partes do ambiente, que ainda detém boa parte intacta da Mata Atlântica original, ele nos falava das flores, das árvores, das podas, seus nomes técnicos, seus tempos de floração, as estações etc.
Do Fernando de Oliveira já conhecia algumas de suas letras com melodias da Rosa Passos, de quem é o parceiro mais constante, composições emblemáticas como “Verão”, “Roseira” e“Pequena música noturna”, incluídas neste seu primeiro volume de poesias “O Livro das Estações”, repleto de outros textos, também melopeicos e no melhor da tradição dos poetas provençais do século XII (Arnaut Daniel, Bertran de Born, Marcabru, Bernart de Ventadorn e Guilhem de Peitieu) e da poesia trovadoresca ibérica do século XIII (Dom Diniz, Dom Sancho I e bem depois, no século XVI, em Luis de Camões, Bernadim Ribeiro e Sá de Miranda). Outras características dessas mesmas escolas, implícitas em sua poética, foram acentuadas no prefácio do poeta-letrista Ildázio Tavares:
“Primeiro, a configuração de uma poesia que se enraíza na tradição popular – que dela se reapropria para lhe dar um sentido novo, evidentemente erudito. Assim o faz Fernando de Oliveira. Segundamente, o exercício da síntese que, sem ele, não há poesia – há algaravia – e Fernando sabe disso e procura aquele desiderato, talvez supremo do verso que Ezra Pound definiu tão bem: dizer muito com poucas palavras”
Das três categorias concebidas por Ezra Pound: a logopeia (a dança do intelecto entre as palavras); a fanopeia (um lance de imagens sobre a imaginação visual) e a melopeia (propriedade musical que dá sentido às palavras e orienta o seu significado), com certeza, é nesta última que a maioria dos poetas brasileiros se enquadram, principalmente, os que usam e abusam das melodias populares, tais como Orestes Barbosa e Vinicius de Moraes, e da geração do Fernando de Oliveira: Paulo César Pinheiro, Capinan, Aldir Blanc, Cacaso, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Sergio Natureza, Salgado Maranhão e Xico Chaves, só para citar alguns craques dessa imensa seleção de letristas que navegam nas melodias para nos legarem seu recado poético.
De outra feita, sua parceira Rosa Passos percebeu também a sinestesia nos textos:
“A poesia de Fernando é leve, livre, e tem movimento, cor e beleza, como as estações do ano”
São textos que tanto usam a fanopeia, como o palpável nas relações da forma, do som e das cores, como no poema “Frutos de inverno”, no qual dá para sentir o cheiro das frutas perfiladas pelo poeta, diga-se de passagem, bem brasileiras, resquícios de um bem apreendido Catulo da Paixão Cearense.
“A brisa está cheirando a cajarana,
laranja, tangerina, jenipapo,
compotas de acerola e de banana,
goiaba, cambuí, limão do mato”
O livro é dividido em quatro blocos e tem as estações do ano como eixo de articulação da temática, em poemas que trazem a musicalidade intrínseca em sua argamassa e feitio, peculiaridade de poetas ligados ao popular e à oralidade.
A borda pode limitar o prato, mas, não limita a fome e Fernando de Oliveira é um poeta desobediente da mesmice, um new-aedo que vive cantando estórias… Acho até que, com essa coletânea, inventou uma quinta estação, uma espécie de “Estação Enlevo”, na qual nos deixa esperando, ávidos, pelo próximo livro.
Euclides Amaral é poeta-letrista
e pesquisador de MPB do Instituto Cultural Cravo Albin
O Livro das Estações, de Fernando de Oliveira
Edição: Idea Design, Salvador, 2014