“Penitência exige contemplação e reclusão. Feriadão poderá ser o oposto, libação e confraternização.”
A crise brasileira finalmente passou a privilegiar a pandemia como protagonista principal, ao impor ao país a urgência de lockdowns estribados em argumento sagaz, agregar feriados, transferindo-os para uma semana única. Sagacidade, contudo, faltou às autoridades ao rotular de “feriadão” quase 10 dias de paralisação – uma penitência sanitária de isolamento, quase contrição. O que permitiu aos desavisados de sempre as gracinhas de descumprir regras básicas, estabelecidas para conter o avanço da peste.
Foram muitos os motivos, todos a provocar a penitência de agora, de farto conhecimento da maioria dos brasileiros. Enumero para lubrificar a falta de memória que sempre parece nos atordoar:
1- Primeiríssimo, a resistência incompreensível do presidente em não aceitar remédio amargo, o lockdown, para debelar a peste. A velocidade da escalada do vírus, que ultrapassou trezentos mil óbitos, inviabilizando hospitais e cemitérios tanto por saturação quanto por falta de medicamentos, e até exaustão de pessoal especializado.
2- Para cúmulo dos nosso pecados, Bolsonaro ainda se debruça sobre a dicotomia – salvar vidas ou salvar a economia. E isso quando economistas mundiais apregoam que a segunda só será salva quando as primeiras o forem, ao se controlar a pandemia. O Presidente bateu às portas do STF para impedir atos dos governadores a favor do lockdown. Foi derrotado de pronto.
3- Mentes e corações de todos nós se voltaram para a única esperança, a vacinação em massa da população de 220 milhões de almas. Mas quando, se o governo, pela incompetência dos demitidos Chanceler e Ministro da Saúde, havia fechado as portas dos produtores da vacina, China e EUA? Estaríamos imunes em somente dois ou três anos.
Teria ainda muito a comentar sobre as medidas amargas que serão obrigatórias contra a pandemia daqui para frente, não fosse a reforma ministerial que Bolsonaro empreendeu na esteira da demissão do Chanceler, imposta pelo Centrão, que finalmente começa a cobrar por apoiar o governo, ganhando de imediato um ministério-chave, o da Secretaria de Governo.
Quero deixar clara uma observação: este Presidente representa o primeiro do Brasil a se intitular de extrema direita. Mas o que significa este extremismo? O extremismo de abrigar ministros e assessores toscos como o demitido Chanceler, ou o do Meio Ambiente, ou o inesquecível Weintraub? Ou ainda a provocar brigalhadas, com Sergio Moro, logo ele o avalista da moralidade no início do seu governo?
E as ameaças às instituições, e os palavrões proferidos em circunstâncias vexatórias? E os códigos ridículos que os tais seguidores usam com dedos e mãos, símbolos que mais se aparentam à pornografia grotesca para indicar a supremacia branca (em país densamente mulato, meu Deus)? De fazer Mussolini e até Plínio Salgado estremecerem em suas covas…
As primeiras análises desta segunda-feira turbulenta em que seis ministros foram deslocados parecem-me indicar o seguinte: 1- Bolsonaro foi forçado pelo Centrão a demitir o Chanceler, Centrão esse que já havia pulverizado o orçamento com déficit abusivo, a ameaçar o próprio Presidente com possibilidade de impeachment por pedaladas fiscais. Bolsonaro abriu a reforma ministerial alojando no Planalto uma deputada da confiança irrestrita de Lyra. E por que a repentina troca no Ministério da Defesa? Porque o Gal. Azevedo insistiu muito na tese de que o Exército se circunscreve ao Estado, e nunca à política partidária. Desse modo, a demissão do chefe-militar seria para o Presidente impor aos quartéis o que vem sendo chamado de bolsonarismo.
Embora com todas as restrições que eu lhe faça, não é crível aceitar que um Presidente democraticamente eleito por sufrágio universal possa compartilhar com tal desvio, tamanha bobagem juvenil. Muito menos impô-los a generais graduados com estudos acadêmicos, que requerem uma vida de dedicação espartana. Os próximos dias poderão desvendar intenções. As mais temidas. Ou, por que não, até mesmo as menos?