“Harmonia e independência entre os poderes não implicam em impunidade quando atos exorbitem a constituição”.
Luiz Fux – STF
Escrevo essas mal traçadas… (como o escritor Sergio Porto começava as crônicas assinadas por seu heterônimo Stanislaw Ponte Preta – cabe aliás, reiterar sobre a falta que faz o chicote do Lalau nesses tempos quase alucinatórios de Bolsonaro) para declarar de antemão que escrevo nesta segunda-feira, dia 9 de agosto. Por motivo que muitos de nós intuímos, o aziago mês aberto ontem deve desabrochar mesmo hoje terça-feira por razões que acredito definidoras para aclarar as crises que se precipitaram nesta última semana.
Eis abaixo os fatos mais dignos de nota.
Depois de o Capitão continuar insistindo nas ameaças à realização de eleições em 2022 atacando o sistema eleitoral brasileiro, sem ter provado as acusações em suas lives, além de destinar palavrões ofensivos às mães de ministros, os dois tribunais, o Supremo e o Superior Eleitoral, subiram vários tons e finalmente revidaram. Não com os panos quentes habituais, mas de modo enérgico. Ambos os Presidentes Fux e Barroso foram além das notas de repúdio e tomaram por unanimidade medidas que abrem duas frentes de investigação contra o Presidente. Um inquérito administrativo foi instaurado para apurar as acusações sem provas contra as urnas eletrônicas, ou seja, ameaça às eleições de 22. A que se juntou a exigência dos ministros do STF pedindo a inclusão do próprio Presidente como investigado no inquérito das fakenews – que vêm sendo realizado desde o começo da campanha Bolsonaro-Mourão. A essa ação dos Tribunais Superiores seguiu-se a recusa de Fux em atender o convite de Bolsonaro para uma – mais uma – reunião meramente retórica dos três poderes. Fux abortou habilmente sua negativa ao Presidente porque convocou o procurador geral Aras a seu gabinete. Para – reflitam a que ponto a crise atingiu alturas indesejáveis – cobrar-lhe os deveres que cabem constitucionalmente ao chefe do Ministério Público, em especial o de defender a União dos destemperos do Poder Executivo.
Corre, com razão, na cúpula dos Procuradores, o seu Conselho Superior, a insatisfação de que Aras não defende o país, mas sim quem o escolheu, o próprio Presidente, especialmente às vésperas de nomeá-lo para permanecer mais dois anos, ou quem sabe? até para o STF. Ou seja, a república, como diria o estadista Nabuco, vai de mal a pior. Institucionalizou-se o toma lá da cá. Que vão das nomeações oficiais com Aras (o procurador é exclusivo defensor presidencial) ao candidato terrivelmente evangélico para o STF, no sentido de colher votos das igrejas aliadas. Como se o país não fosse laico.
Isso sem falar no acesso aos processos secretos da PF – ainda ontem o STF denunciou que o Capitão havia revelado publicamente detalhes de processos secretos da PF, o que respalda por A + B as desconfianças de Sérgio Moro de interferência do Presidente nos órgãos de investigação. Exatamente por isso Moro foi defenestrado do Governo. Mas viria o pior, a entrega da máquina pública ao Centrão. Com o autodeclarado amortecedor Ciro Nogueira na Casa Civil e a deputada Flavia Arruda na Secretaria de Governo, logo ela a esposa do ex-governador Arruda do DF, demitido e preso por improbidade. Em meio a essas traições à promessas de anticorrupção na campanha de 2018 que lhe serão cobradas em 2022 caso ele consiga passar ao segundo turno, resta uma despropositada inconveniência que o país acaba de saber. Convite que o Capitão formalizou há horas à todas as autoridades federais para assistirem a desfile militar das três forças armadas com carros de combate na esplanada dos ministérios. Com o tosco argumento provocador (até parece que lhe faltam mesmo assessores que lhe advirtam de tantas inconveniências) de que Brasília estava no caminho da cidadezinha onde já era tradicional o tal desfile em preito à Marinha. Resultado: choveram críticas de todos os lados, sobretudo do parlamento, no exato dia em que a Câmara deve sepultar em plenário a PEC a propor o suspeitíssimo voto escrito, grave retrocesso à corrupção eleitoral.
Chamou-me especialmente à atenção a assinatura do convite. O Capitão substitui o título habitual, Presidente, por Comandante em Chefe das Forças Armadas. Recado audacioso de anúncio de poder (ou ao menos intenção) de golpe? Aliás, os recadinhos intramuros vêm sendo disparados desde que as últimas pesquisas do Datafolha anunciaram o encolhimento eleitoral e pessoal do Presidente e a preponderância de Lula. A tal ponto que observei na entrevista do Presidente da Câmara que vi há pouco na TV que …”sim, o Presidente me assegurou que respeitará a decisão se os deputados negarem o voto escrito”.
Que loucura é essa de se questionar autorização para decisão do plenário legislativo?
Que loucura é essa de se considerar insulto ao Presidente exigir-lhe explicações e provas do que fala dia sim, dia também?
Que loucura é essa de se fazer desfile militar com tanques pesados no dia em que a Câmara vota a mais polêmica das pautas?