(para Flávia de Oliveira)
“A luta contra o racismo deverá ser tão persistente quanto à luta pela democracia”
– Abdias do Nascimento
Quem escreve semanalmente por anos a fio, preserva alguns assuntos na preferência, seja por abjeção, seja por simples prazer. O assunto racismo no Brasil, por exemplo, significa para mim uma abjeção, mas também uma necessidade de acusação. A necessidade de denunciar, de protestar, de brandir todas as armas contra esse que sempre considerei crime ignóbil contra inocentes.
Isso vem a propósito, já com certo atraso, da repercussão do comentário emitido por um fulaninho de tal, que atende pelo nome de vereador Camilo Cristófaro, expulso há dias do PSB por grave injúria racial durante sessão da Camara paulistana. Não é nada essa tresloucada criatura explicitou racismo abjeto na casa do povo, uma assembleia de representantes da cidade, justamente eleitos para defender os cidadãos, e jamais para achincalhá-los, jamais para acender a luz mórbida do racismo que tantos de nós queremos apagar e repudiar para sempre. Uma chaga que nos envergonha desde sempre. O pior é que esse insulto não ficou isolado, porque veio a simbolizar uma torpe coleção de manifestações racistas que têm vindo à tona nessas últimas semanas.
O escândalo, como ocorreu? Como sempre por idiotas que não se dão conta das asneiras vomitadas por pura leviandade e/ou por má-índole. O tal ofensor sem saber que sua voz estava amplificada para todo o plenário da Camara lascou a ofensa como comentário a um procedimento de lavagem de calçada depois de atingida por sujeiras indevidas: “eles arrumaram, mas não lavaram a tal rua. É coisa de preto, né?”.
“eles arrumaram, mas não lavaram a tal rua. É coisa de preto, né?”.
A afirmação por si só é inaceitável e gravíssima ofensa aos cidadãos de cor preta. Nenhuma desculpa esfarrapada foi aceita. E ele acabou por ser expulso do partido, diga-se de passagem, um partido de tradições liberais como o Socialista. O lamentável episódio ocorreu um dia depois de outro caso deplorável a envolver outra denúncia de racismo. Uma mulher preta registrou queixa policial contra uma passageira branca no metrô de São Paulo, acusada de fazer comentário claramente racista – “Toma cuidado com seu cabelo que está quase encostando no meu e pode causar doença.” Também nas partidas da Copa Libertadores alguns abomináveis torcedores vêm imitando macacos grotescamente para ofender jogadores negros. O pior: as instituições como CBF ou CONMEBOL, e até clubes, têm apresentado zero ação. Ao contrário, fazem cara de paisagem ante atos gravíssimos de injúria racial. O fato é que as reclamações – e são muitas, registre-se aqui – quase sempre dão em nada.
A jornalista Flavia Oliveira, atenta militante contra esses atos criminosos, observou na Globo News que esse tipo de inação é ainda mais insuportável porque o Brasil tem leis pesadas contra o racismo. Mas, conclui a estimada Flavia com razão, não há ninguém preso por racismo neste país. Uma nação que é devedora do horror de ter mantido a escravidão da raça negra ao longo dos seus quase cinco séculos de existência.
Eu, de minha parte, como simples observador desses atos abjetos e continuados, chamo apenas à atenção para que os rigores dos castigos atinjam os ofensores de modo a doer na privação de liberdade. E no bolso (!). Afinal nada dói tanto que multas cumulativas severíssimas – vide a recente multa aplicada ao tal truculento deputado pelo STF, que lhe fez baixar a crista e deixou-se emoldurar por um par de tornozeleira assim que a soma das multas atingiu a apreciável quantia de 50 mil reais.
Embora também considerando que essa mancha na nossa sociedade não se dissipará, mesmo com o peso presumível do rigor dos castigos, o que eu acredito que seja aplicado sistematicamente, sou forçado a emitir aqui o que me repugna, quase em ânsia de vômito: o racismo no Brasil não desaparecerá. Por isso combatê-lo deverá ser uma ideia a nortear cada consciência viva e limpa de qualquer cidadão. Cabe aos cidadãos, denunciar. Em resumo: boca no trombone, cidadão do bem, ao menor sinal de preconceito racial.
Embora também considerando que essa mancha na nossa sociedade não se dissipará, mesmo com o peso presumível do rigor dos castigos, o que eu acredito que seja aplicado sistematicamente, sou forçado a emitir aqui o que me repugna, quase em ânsia de vômito: o racismo no Brasil não desaparecerá. Por isso combatê-lo deverá ser uma ideia a nortear cada consciência viva e limpa de qualquer cidadão. Cabe aos cidadãos, denunciar. Em resumo: boca no trombone, cidadão do bem, ao menor sinal de preconceito racial.
Ricardo Cravo Albin
P.S.1 – Ao citar no frontispício desta crônica o sociólogo e grande liderança negra Abdias do Nascimento, evoco aqui com a maior admiração sua viúva, Elisa Larkin do Nascimento, uma brava norte-americana que cuida de sua memória e de sua obra com desvelo emocionante.
P.S.2- A Feira do Livro LER, ou Salão Carioca do Livro, se instalou a partir de 9 de maio do Píer da Praça Mauá. Asseguro aos leitores que tanto sua programação cultural (a frente a Academia Carioca de Letras) quanto sua parte expositiva (livros, autores, editores) é das melhores iniciativas feitas para a cultura desta cidade. Aproveito e comunico a vocês, caros leitores, a palestra sobre D. Pedro I – Compositor e Libertador do Brasil, que farei dia 15 de maio às 16h no Stand (Armazém 3) da Academia Carioca de Letras.