Sempre considero útil destilar memórias. Memórias materiais ou imateriais deveriam ser mais celebradas. Nessas festas de fim de ano, entrecortadas por tantas retrospectivas e resgates de fatos e de gente do ano que acabou, uma revisão me comoveu.
Esse foco de fortíssima luz incidiu sobre o grande brasileiro Chico Anysio. Que fez provocar um dos mais emocionantes retratos que a televisão brasileira terá exibido ao longo de 2009. Na verdade, não costumo aqui falar sobre televisão, tampouco atores.
Mas a genialidade do nosso Chico – desaparecido da telinha que ele freqüentou por cinco décadas a fio – exibiu-se tão opulentamente que eletrizou todo o Brasil. Para os mais velhos como eu, rever os mil e um personagens que ele criou foi uma catarse coletiva. Um mergulho sentimental na alma brasileira mais fraterna, mais moleca, mais verdadeira. Cada um dos personagens que ele pôs de pé ao longo de 50 anos é um pouco de cada um de nós, com suas grandezas e vilanias. Amparado por surpreendente vigor apesar dos cabelos de todo embranquecidos e irradiando o frescor dos imortais, o Chico encerrou o programa com a Escolhinha do Professor Raimundo. E aí ele, magnificamente dirigido por Maurício Sherman, exibiu um painel enternecedor. Os alunos que contracenavam com o Professor eram seus próprios personagens, entre eles o Coalhada, a Velhinha de Passo Fundo, o Garçon, o Painho. E mais uma dúzia de outros tipos que representam, com exatidão cortante, o temperamento do brasileiro. Ao final, outro resgate de memórias não bastassem suas próprias criações. No telão da Escolinha foram perfilados os maiores comediantes mortos que tomaram aulas com o Professor Raimundo. Confesso que foi dos raros momentos ante a tevê onde deixei tombar lágrimas.
Ricardo Cravo Albin
Pres. do Conselho Empresarial da Cultura
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