O dinheiro brotou das águas
Em épocas de crise como esta, o dinheiro evola-se, escasseia-se, oculta-se em escaninhos invisíveis. Visíveis, é claro, apenas aos olhos sagazes e matreiros dos que nos meteram em tenebrosas transações. Escafede-se o dinheiro (nos dias de hoje) às nossas barbas, aqui mesmo, na dilapidação vergonhosa do Rio. A ruína foi de tal ordem, que acompanhou olimpicamente o desastre financeiro de que todo o país foi, e está sendo, vítima. Eu nunca vivenciei, Deus meu, tamanha distorção da ética pública, tamanha desfaçatez no uso dos dinheiros oficiais, tamanha crise de sem vergonhice.
O Brasil ficou refém de roubalheira em cadeia, e nunca se viu estado de perplexidade popular como o que se desnuda desde o começo do petrolão, cujas origens hórridas foram fartamente anunciadas desde o mensalão.
Aliás, o superlativo em “ao” é fruto do sentimento furioso e envergonhado das vítimas, todos os que pagamos as contas.
Mas, caluda! Parem as máquinas! Movimentem-se as esperanças! Nem em conto de fada, nós, a plebe rude vilipendiada pelos assaltantes dos bens de todos, poderíamos sonhar em dinheiro brotando do mar, emergindo aos borbotões das águas escuras e poluídas da Baía de Guanabara. Qual golfadas de súbitas mas silenciosas ondas, pescadores das imediações da Urca começaram a esfregar os olhos ao verem papeizinhos que vislumbravam à sua frente, iguais às notas de cem ou cinqüenta reais.
Aproximaram-se das estranhíssimas cédulas a imaginar que fossem de mentirinha, uma brincadeira de algum engraçadinho, quem sabe em protesto à falta cruel do dinheiro surrupiado.
Mal acreditaram ao recolher os primeiros papéis. Eram, sim, notas de verdade.
Aos gritos, berravam pálidos para colegas que lhes eram vizinhos: “Dindim, dinheiro vivo, dinheiro saído das profundezas. Deus é grande, Deus é grande”. De imediato, os pescadores, em frêmitos de êxtase, mergulharam nas águas. E – o milagre – retiraram dos fundos do lodo pacotes de notas, logo convertidas em pacotes de milagre, de benções, de salvação. Alguns afoitos já profetizavam que a próxima esperança seria chover dinheiro do céu, tal como na canção célebre “Pennies From Heaven” (Moedas Caídas do Céu).
Portanto, envolto em magia e quase assombração pré-natalina, carimbou-se um dos relatos mais originais da cidade de São Sebastião. Muito, muitíssimo mais espantoso, que o das latas de maconha que mimosearam os felizes rapazes de Ipanema há anos atrás.
Uma lenda a mais, quem sabe fruto profético do dinheiro subtraído do povo, fixava-se à alma dos cariocas.
Uma paráfrase de conto de fada, um sopro de esperança para o sonho. Que maravilhou este triste final de ano. E acendeu a fé em milagres.
Ricardo Cravo Albin
Presidente doInstituto Cultural Cravo Albin