É uma pena que as novas gerações de brasileiros não recebam estímulos necessários para reconhecer – e poder acarinhar – os ídolos do passado. Agora mesmo, no espaço de uma semana, dois cantores fundamentais se encontraram em datas significativas: a recente morte de Jorge Goulart foi acompanhada de muito perto pelos 90 anos de Nora Ney, desaparecida há bastante tempo.
Vocês não sabem quem foram? Os nomes podem parecer algo vago para a maioria?
Pois registrem que ambos foram – desde 1953 e por quatro décadas seguidas – um dois mais celebrados “casais – cantores” da era do rádio. Nora Ney – uma das definidoras do samba-canção sombrio e dilacerado dos anos 50 – foi a criadora dos primeiros sucessos do poeta maior Antonio Maria, inclusive “Ninguém me ama”. Jorge Goulart – uma das mais belas e poderosas vozes que o rádio lançou – foi, além de intérprete de sucessos para o carnaval (Balzaquiana, entre dezenas), um dos primeiros cantores brancos a “puxar” samba-enredo na avenida, num tempo em que samba-enredo era samba-enredo e a avenida era a Rio Branco ou Presidente Vargas. Além de categorias artísticas, Nora e Goulart esgrimiam uma comovedora solidariedade à ideias/ideais políticos. Num tempo em que era raríssimo cantores populares tomarem partido, eles eram simplesmente comunistas. Por isso mesmo, foram os primeiros banidos em 64, o que os obrigou a saírem do Brasil para excursionar. (oh, coragem) pela… Cortina de Ferro. Ali, na União Soviética, Bloco Oriental e até China, ambos divulgaram persistente e amorosamente a nossa música popular.
Fui muito amigo dos dois e para eles, ainda no tempo da ditadura, escrevi e dirigi alguns shows, sobretudo um, o Casal 20, em que, pela primeira vez, eles falavam de suas turnês, então consideradas “perigosas”.
Nora Ney nasceu há 90 anos, em 21 de março, e pouquíssima gente se lembrou ( a exceção do Instituto Cravo Albin, no Dia Internacional da Poesia). Goulart, morto poucos dias antes, só foi reverenciado por belo necrológico de João Máximo.
Imagino que ao chegar ao céu, Nora terá cantado para o marido aquilo que ela cantarolava em paráfrase para Goulart ao chama-lo a cena em meu show “O Casal 20”: “Alguém me ama, sim, alguém me quer”
Ricardo Cravo Albin
Jornalista e Escritor