“Cardeais privilegiam o vermelho não por serem comunistas, mas para evocar o sangue de Cristo. O essencial para nós é o ‘Creio em Deus Pai’, é a Palavra de Deus… Isso é o essencial e nisso devemos ter unidade” – Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo de São Paulo
Ainda recentemente escrevi sobre o quanto me incomodou o debate que se potencializou entre fé, religião e política partidária, logo depois (e mesmo antes…) do primeiro turno.
Sou filho de mãe católica praticante, de várias gerações de crentes, e desde menino ouvi na intimidade de conversas familiares que nada, nada mesmo, deve se misturar ao sagrado, a se circunscrever somente dentro do coração e da alma de cada indivíduo. Jamais para extrair-se qualquer proveito da religiosidade, “- um cofrinho, meu filho, que preserva os segredos do Mistério, do crer em algo superior e imaterial, o tesouro do Supremo e do que nada tem a ver com o material, qualquer materialidade, em especial ideologias, políticas partidárias e brigas entre religiões. Essas fizeram Jesus Cristo sangrar por séculos.”
Evoco emocionado essas reflexões maternas por conta de recente entrevista (O Globo, 23/10/22) que me encantou. Um dos líderes mais respeitados de minha Igreja, Dom Odilo Pedro Scherer, Cardeal-Arcebispo de São Paulo, apregoou verdades e sabedoria. O principal pastor da maior arquidiocese do Brasil resolveu falar quando teve que explicar a apoiadores fanáticos do governo que o atacavam pelas vestes “vermelhas”. Isso por conta da sua foto no twitter, exibindo as vestes tradicionais dos cardeais da Igreja Católica durante séculos. Jamais pela opção absurda de os príncipes do Cristianismo serem comunistas. Dom Odilo deixou claro que recebe ataques de vários lados, que “até parecem reviver tempos do fascismo. Tem havido ameaças, inclusive manifestações contra religiosos querendo constrange-los a declarar voto. As celebrações religiosas são invioláveis, jamais poderiam ser objeto de manifestações por parte de agentes políticos. Falar de fome, violência, meio-ambiente e justiça social faz parte da doutrina da Igreja meu bom Deus! A liberdade religiosa deve ser absolutamente respeitada, não há porque constranger um eleitor a votar por motivação religiosa. Ou seja, isso é assédio político…”
Muito interessado na entrevista de Dom Odilo, liguei para a sede da arquidiocese, e pude conversar com um de seus assistentes. Que reiterou todas as ideias do Cardeal já expressas no jornal. Realçando, inclusive, que os evangélicos têm uma postura própria de ação. “Mas que eles não deveriam usar o púlpito e o sagrado para fazer campanhas políticas individualizadas. Os clérigos deveriam se abster.” E arrematou “não podemos dividir o Brasil em quem vota em Lula ou Bolsonaro.” De fato, a um observador mais atento à realidade concreta da política que ressoa – e repercute – no país de hoje é uma única: existe uma bancada evangélica. Mas não existe uma bancada católica. Por que? Esse será o cerne da questão que proponho como reflexão nesses dias às vésperas do Segundo Turno. Por que? Dom Odilo reitera teses muito simples, centradas em tradições seculares celebradas pela maioria católica. Ou seja, o padre e o bispo devem zelar pelo Todo da comunidade”. E sentencia o arcebispo paulista; “Quem faz opção por uma parte esquece a outra.”
Post-scriptum 1: Há dias meu querido amigo Ziraldo Alves Pinto celebrou, ao lado de sua mulher Márcia, fecundos 90 anos. Embora continue o menino que de maluquinho nada tem, reitere-se desde logo.
Post-scriptum 2: Lembrando gente que vale a pena, dois centenários despontam no melhor do imaginário brasileiro, Darcy Ribeiro e Dias Gomes. Daqui deste rabicho de crônica, minhas desculpas por não poder dedicar a cada um desses gigantes toda uma página, ou melhor, todo um caderno, ou melhor ainda, toda a edição desses textos.
Post-scriptum 3: Enquanto estamos a celebrar o Brasil que vale a pena, os infortúnios também batem à porta. Lamento muitíssimo o desaparecimento de dois amigos particularmente queridos, os cariocas Olavo Monteiro de Carvalho e Mauro Ribeiro Viegas.
Post-scriptum 4: Olavo, aos 80, deixa o Rio mais pobre de entusiasmo, de saber como poucos agregar em torno de si o melhor das pessoas que amam nossa cidade. Olavo, exemplar presidente da Associação Comercial do Rio, foi dos mais criativos empresários do Brasil, um executivo à frente do seu tempo. Pêsames à querida Lilibeth, irmã e amiga dele em todas as horas.
Post-scriptum 5: Mauro Viegas parte aos 103 anos. Vida tão longa quanto os benefícios que pode legar ao Rio. Como urbanista, com quem cheguei a trabalhar na antiga SURSAN ao tempo de Enaldo Cravo Peixoto, Mauro cuidou com exemplar dedicação dos parques e jardins da cidade de São Sebastião. Como engenheiro fundou a gigante Concremat. E ainda colaborou com a construção de Brasília.
Ricardo Cravo Albin