O prazer, e até o privilégio, de acompanhar a cena lítero-musical do Rio sempre povoaram e fertilizaram minha mente e meu coração por décadas a fio. Desde 1965, ao tomar o pulso do então engatinhante Museu da Imagem e do Som, deparei-me com o aparecimento de estrelas da cena artística. E também – aí vai o lado sombrio, mas infelizmente verdadeiro – do ocaso de algumas delas, por vezes por exaustão natural de fim de carreira. Mas outras tantas por puro desterro, desatenção e frieza de sua própria contemporaneidade. O que sempre foi o pior, e para mim, o mais aterrador, injusto e não-natural. O nascimento e o desabrochar de personagens fortes são sempre estimulantes. É a luz nova, a retemperança, a força que pode provocar o surgimento do belo ou (quem sabe?) do eterno sempre desejado.
A cantora Simone Mazzer vem surgindo na vereda da canção popular como fonte de expectativas que ultrapassam as exclamações polidamente banais, tipo tem futuro, tem talento, essa moça promete…
Simone, também atriz, se fez cantora a partir de Curitiba, cidade vocacionada para acolher possíveis certezas. Em encontro casual com ela (apresentada pela teatróloga Miriam Halfim) em porta de teatro, Simone sacou da bolsa um CD. Que ouvi embevecido, por várias e singulares razões. A primeira, é claro, pela projeção perfeita e rara da emissão da voz, um instrumento (é isso mesmo) preciso e radioso de fruição de beleza, de quase espanto, no desalento desses tempos de vozes esquálidas e desmaiadas . Simone Mazzer chega à cena já feita e acabada, com a força de uma diva. Seu primeiro CD, aclamado pela unanimidade dos críticos, até parece o décimo, tantos os acertos e tão alargados os caminhos galvanizadores de repertório, de arranjos. De cheiro de novo. Mas de uma aeração conseqüente, e até severa.
29 de maio de 2015
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto
Cultural Cravo Albin