Os trovadores da Idade Média eram considerados por alguns reis como os poetas preferenciais, os artistas do povo a se alçarem aos pés da corte, a voz que, livre, tudo podia e dizia, mesmo se escondendo atrás de carapuças literárias para poderem fustigar os poderosos.
A arrebatadora conquista do prêmio Nobel de Literatura pelo cantor e poeta Bob Dylan surpreendeu a todos, das platéias com jovens irreverentes às bibliotecas com leitores severos. O mais provocador foi a Academia, a poderosíssima juíza do definitivo e da consagração contemporânea, ter a coragem de sinalizar um caminho original para a literatura, isto é, a seta que premiou a poesia atrelada à música, ou seja, a música popular (de resto tão celebrada no Brasil), como contribuição literária de essência. E, mais que isso, o Nobel exaltou a literatura que flui da palavra cantada. Que pode ser irradiação de beleza e de sentido estético, de libertação das amarras dos preconceitos, de reafirmação da essência buscada pelo ser humano. E que sempre foi o encontro da solidariedade e da compaixão, a partir da palavra escrita ou oralizada. Agora, depois deste acontecimento para a Literatura imposto pelo Nobel, exalta-se também a palavra cantada, tal como fazia o poeta Homero na antiguidade da Grécia.
A música e poética populares praticadas por Bob Dylan me conquistaram desde o aparecimento, no auge do processo de contracultura, representado pelos livros de Ginsberg e Kerouac. Os velhos costumes caíam de pedestais centenários e rasgavam as pesadas cortinas de várias áreas de conforto. A geração rebelde escandalizava seu tempo, antecipando as conquistas da liberdade do corpo, do horror às guerras (a do Vietnam) e da urgência em preservar o meio-ambiente.
Dylan, apenas com violão e despojada gaita de boca, descerrou bandeiras icônicas, fazendo-se, ele próprio, o arauto da antecipação, o cantor-poeta do justo e do belo.
Cá no Brasil, os festivais de música popular, de que participei na segunda metade dos anos 60, replicaram, quase sempre, o mesmíssimo sentimento, ainda mais heróico, a meu ver, porque acrescido da necessidade de lutar não contra o Vietnam, como Dylan, senão diretamente a favor da liberdade aprisionada pelo governo militar.
Ouso afirmar que, em modelo próximo ao de Dylan, sempre tivemos no Brasil cantadores e poetas de musculatura universal, como os espontâneos (primitivistas) Patativa do Assaré e Cego Aderaldo, ou eruditos (antepondo-se aos naifs) como Chico, Vinicius, Caetano, Caymmi e Elomar, este, o rapsodo-ermitão do alto sertão baiano.
O Nobel de Literatura redefine veredas, podendo abrir novos olhares e intenções para o que hoje orgulhosamente chamamos MPB.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto
Cultural Cravo Albin