A Academia Brasileira de Letras vem desenvolvendo há alguns anos uma série cultural dedicada à música. Aliás, comentei nesta página a confluência benéfica e provocadora entre letra e música, entre a magia do encontro do olhar (a leitura) e os ouvidos (a música).
Há poucos dias esteve na ABL Adriana Calcanhotto, que fez memorável recital. Mas não apenas um recital na sua forma clássica, só com música. O projeto da Academia que abriga música popular não pretende tão somente a fruição da canção. Vai além. Informa as conexões culturais e históricas de cada homenageado, sempre um grande vulto da MPB, ou a celebração de data específica de determinados personagens, como o centenário de Caymmi (a ser realizado ao começo de junho por Danilo Caymmi).
Poucas vezes tenho visto aproveitamento de essência cultural tão conveniente. Trocando em miúdos, o público ouve as canções, enquanto se informa sobre o pensamento e as ferramentas estéticas do artista. A Academia Brasileira de Letras, este ano presidida por Geraldo Hollanda Cavalcanti (tendo como secretário-geral Domício Proença Filho), dá sequência ao projeto criado ao tempo de Marcos Venicio Vilaça como presidente da Casa. Faço questão de citar nomes – o que de hábito não me apraz – por que os que estimulam a cultura, especialmente quando útil, devem ser proclamados. E por que não? São os intelectuais que saem de suas torres de marfim para agilizar processos de fazimento concreto.
Voltando ao recital de Calcanhotto, uma pura delicadeza de bom gosto e de sensibilidade: surpreendeu-me a casa cheia, em dia de greve de ônibus que paralisou o já conturbado centro da cidade. Tudo isso significa o acerto do mais alto fórum de cultura do Rio, a ABL. Ou seja, divertir sim, mas deixando cair gotas orvalhadas de informação. O que chamaria, com ousadia, de cultura propulsora do mais saber.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin