Nesses tempos de pandemia as mortes vão ficando mais amortecidas.
Isso ,contudo, não aconteceu com o súbito desaparecimento de Moraes Moreira. Ao contrário, recebi a notícia perplexo e consciente da falta que ele nos fará. Aliás, já que falei da pandemia, um dos seus últimos trabalhos chama-se exatamente “Quarentena”, cujos os versos podem parecer um tanto proféticos. E são. Na verdade uma quase despedida em confissão de afirmações.
Emocionadamente transcrevo alguns deles:
“ Eu temo o coronavírus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina,
O professor que me ensina
Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo.
Mas tenho uma garantia,
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão merece mais atenção.
O sentimento é profundo
Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito.”
E por aí nosso muitíssimo pranteado segue na tradição alongada do cordel, em que ele clama por justiça, contra a violência e a abominação do preconceito. Qualquer um.
Moraes Moreira, não vou lhe registrar toda a longa e bela vida que durou 72 anos. Mas cabe lhe dizer que poucos personagens na nossa MPB atingiu a beleza do ritmo, a coragem de ser o que sempre foi, a qualidade e criatividade tanto de suas músicas alojadas na alma do Brasil, quanto do seu Novos Baianos. Conjunto que não só fez história, porque provocou sentimentos benéficos em momentos escuros do País: a alegria, a vontade de viver, a descontração em proceder.
Por isso tudo, e porque toda gente sabe tanto dele, resta-me depositar em sua memória uma lágrima, uma lágrima pequena, como todas as lágrimas. Exatamente o oposto do seu talento e de sua contribuição para o cancioneiro popular, em especial aquele que se incendeia nos trios elétricos de Salvador.