Muitos nos queixamos dos excessos de feriados, de homenagens, de muita saliva gasta com palavras ocas e desimportantes.
Há poucos dias participei de um evento que me arrebatou o coração.
Aliás, falando em celebrações nobres e convenientes, o domingo de ontem foi pleno em acúmulos, e justíssimo nas intenções. O arco da sociedade celebrou três datas. O dia da Nossa Senhora de Fátima (para os católicos, evento de importância canônica); o Dia das Mães (evento de inspiração sentimental, embora afogado hoje em comercialismo exacerbado); e, finalmente, a Lei Áurea, ato político de essência para a sociedade e civilização brasileiras. No treze de maio de 1988, a princesa-regente Isabel, a Redentora, proclamou a libertação dos escravos. E perdeu o trono, pelo impetuoso ato de coragem e justiça que já se fazia tardio.
Volto ao começo para lhes assegurar que a data comovedora – ao menos para nós que vivemos de manejar e lapidar as palavras – foi o Dia Internacional da Língua Portuguesa. Internacional, sim, porque o Português é falado nos cinco continentes. Há dias, nossa língua foi celebrada, com galas e beleza, dentro do Palácio São Clemente, sede da antiga Embaixada de Portugal na então Capital Federal.
Muitos pensarão na possível dificuldade de evento feito para louvar uma abstração, ou quase isso. Na verdade, a língua existe de fato como decisivo bem imaterial.
A simplicidade se fez presente, mas em tons vibrantes, no Palácio Português. Um palco despojado abrigou o recital “Inculta e bela”, ela mesma, a língua, inculta porque derivada do Latim Vulgar, e bela por tudo em que se moldou a partir de seus cultores, os que a usam. Com roteiro impecável do jornalista Hugo Sukman, os atores Deborah Bloch, Marcos Caruso e Betty Gofman se sucediam em citações de agilíssimos fragmentos de poemas ou frases para louvar o idioma. De Camões a Fernando Pessoa, de Drummond e Bandeira a (pasmem) Cartola, Caetano, Chico. E – pasmem ainda mais – até ao Rap da Felicidade, de Cidinho e Doca.
As frases mais capilares em preito ao Português lá se enfileiravam, despidas com graça e arte pela robustez do espetáculo. O mestre Sukman destilou joias como “- as palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis. Estremeço se as ouço bem ditas”, de Fernando Pessoa. Ou como “- gosto de Pessoa na pessoa/ Da rosa no Rosa/ E sei que a poesia está para a prosa/ assim como o amor está para a amizade”, de Caetano Veloso em “Língua”. Ou ainda como “- ultima flor do Lácio, inculta e bela. És, a um tempo, esplendor e sepultura impura/ Ouro nativo, que, na ganga impura, a bruta mina entre os cascalhos vela”, de Olavo Bilac em “Língua Portuguesa”.
Faltam-me espaço e tempo, sobram-me poemas e frases para prosseguir aqui a desvelar mais e mais pérolas do Português. Permitam-me voltar a Fernando Pessoa, “também minha pátria, a minha língua.”.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin