Dos espetáculos em cartaz no Rio, um dos mais arrebatadores é o “Herivelto que eu conheci”, recém montado no novo Teatro NET, o antigo Terezão.
Assistindo há dias a estréia de Marília Pera no espetáculo de Cláudio Botelho, em que ela homenageia os 100 anos do compositor Herivelto Martins, perpassou-me uma dupla sensação: a primeira é a leveza com que a cantora-atriz leva o espetáculo, parecendo que flutua em cena, tão leve, tão grácil, tão elegante está ela.
Marília, o que é habitual em todas as suas aparições teatrais, dá uma aula de comportamento cênico, de exação de gestos, de equilíbrio. Poucas atrizes-cantoras do mundo conseguem se equiparar a ela, o que é um necessário orgulho verde-amarelo. A segunda agradabilíssima sensação que me provocou a peça fica por conta da direção de Cláudio Botelho. Que trabalhou com correção e dignidade o texto de Yaçanã Martins, filha de Herivelto, feito em preito direto à Lurdes, mãe dela e grande amor do compositor (depois da separação litigiosa de Dalva de Oliveira).
Cláudio fez muito mais que isso, na verdade, porque foi além, redescobrindo um novo filão para shows, que remetem a homenagear músicos e músicas da MPB. Com um fio de memória – as cartas de amor em diversos momentos da vida de Herivelto para Lurdes – Cláudio Botelho põe de pé um espetáculo repleto de músicas, inclusive pérolas raras que nem eu me lembrava mais, intercalado por textos ditos por Marília com um nível de excelência que inebria e enfeitiça toda a platéia. É como se nós, o público, bebesse Marília, degustasse gota a gota cada momento refinado do que ela interpreta e canta.
Quanto à obra de Herivelto, e Cláudio foi a fundo na pesquisa empreendida por Alfredo Del Penho, é por demais genial e rende todas as estimulantes nuances impressas pela direção. Embora faltando parte do carnaval de Herivelto Martins, que não foi colocado, suponho, pela preferência do diretor pelo lado mais lírico do show, a partir de cartas de amor e da avassaladora paixão de Herivelto por Lurdes, o espetáculo de Cláudio nada perde em densidade, categoria e bom gosto.
Portanto, e perdoem-me os leitores acostumados a receber neste espaço pílulas culturais, indico com entusiasmo esse belo momento do teatro brasileiro.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin