Reconheço, sim, que as artes plásticas neste país ainda não são celebradas como poderiam. Há, contudo, o pior: o não-acolhimento quase vergonhoso dos artistas que apenas manuseiam o papel, como os gravadores e os desenhistas. Uma pena e um desperdício. Embora muitíssimo mais caras no mercado de arte, só as telas a óleo, no geral, são requisitadas pelos endinheirados. Essas tristes observações – que a meu ver comprometem a classe média brasileira – vêm a propósito da morte da gravadora Marília Rodrigues. O silêncio e o obituário esquálido contradizem a grandeza da artista.
Pois que Marília foi das primeiras a ser levada por Darcy Ribeiro à Universidade de Brasília no começo dos 60, quando o sonho lancetou os umbrais da ação e da fé num Brasil novo. Marília Rodrigues – soprada pelo idealismo e tocada pela genialidade – construiu uma obra restrita e sofisticada.
Ademais, viveu como morreu, silenciosamente. Não sem antes ter, depois de Brasília, participado de alguns dos melhores momentos afetivos da gravura no Brasil. Foi professora na Escolinha de Artes, fundada por Augusto Rodrigues. E fez história como mestra no atelier do MAM-Rio. Marília parte para a posteridade nas asas de seus pássaros. As aves recriadas em beleza através da gravação em suas duras chapas de metal. Transpostas em seguida (por prensa manual) para os múltiplos (generosos) do papel. Marília Rodrigues agora voa o vôo do reconhecimento obrigatório. Um pássaro da posteridade.
Ricardo Cravo Albin
Pres. do Conselho Empresarial de Cultura da ACRJ
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