Por Ricardo Cravo Albin
Essa série de artigos em defesa da Baía da Guanabara, é dedicada à sabedoria do historiador Arno Welling, estendendo-a a seus dignos pares e amigos do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico do Brasil), todos eles atentos aos malfeitos perpetuados contra a beleza e dignidade da cidade do Rio de Janeiro.
A poluição e os descuidos para com uma das baías mais festejadas do país, a nossa formosa Baía da Guanabara, são de fato indesculpáveis para a autoestima da Cidade.
Seriam séculos que degradaram paulatinamente nosso melhor cartão postal? Não, a maioria dos historiadores indica que a moldura insuperável de águas cristalinas e de perfeito desenho, a alimentarem exuberante população de animais marinhos, como golfinhos, baleias e toda espécie de peixes, começa a se esgarçar ao inicio do século XX, quando a cidade e os municípios que ocupam suas margens crescem desenfreadamente.
Que administradores são esses que, ao longo de décadas a fio – seis na melhor das hipóteses -, permitiram que nosso formoso espelho d’água se transformasse numa cloaca? Ou numa poça, como a ela Millôr Fernandes (ou Jaguar?) se referiu no auge da especulação imobiliária dos anos 70-80. O que também levou Dias Gomes a protestar criando um personagem que queria aterrar de uma vez a baía e nela fazer uma cidade, intermediária entre Rio e Niterói, só que povoada por destemidos espigões!
Andrade Muricy, aliás, estendeu-se muito convenientemente sobre a Baía de Guanabara. Vale transcrever algumas de suas impressões, escritas em 1936 e a cada dia mais atuais: “A Ilha de Villegaignon, plantada em frente ao centro da cidade do Rio, era uma massa elegante, com as modestas ruínas de um forte e esbeltas palmeiras. Era uma sugestão de passado e um elemento perene de beleza. Em outras terras conserva-se e, quando muito, e mui discretamente, melhora-se. Aqui no Rio, em virtude de um simples parecer técnico e administrativo – e nunca se sabe muito bem por quem emitido -, suprimiu-se, em meio de geral indiferença, a Ilha de Villegaignon. E não só a ilha formosa desaparece. As montanhas vão sendo arrasadas para loteamentos à mercê da ganância imobiliária ou vão sendo tratadas como simples pedreiras de fácil rendimento. Corrige-se, assim friamente, a obra natural de Deus; corrige-se, com falsos critérios desdenhosos de beleza, a beleza única que desde tempos imemoriais o homem tenazmente procurou. E, apressadamente, às cegas, os administradores vão destruindo a insuperável beleza sutil do Rio”. Andrade Muricy poderia ter escrito este texto hoje, que seria tragicamente atual.
Aliás, Jean de Léry, um dos povoadores da França Antártica de Villegaignon, datava suas cartas de “Rivière de Guanabara” e foi o primeiro que escreveu esta denominação, que até hoje se pronuncia erroneamente – afinal, é uma palavra oxítona e nunca paroxítona -, já que o acento deveria estar na última sílaba, com o que se respeitaria a dupla prosódia, a indígena (original) e a francesa (os primeiros a usá-la).
O grave, contudo, não são apenas os aterros, esses, infelizmente, inamovíveis e de impossível resgate. O trágico está na continuidade da poluição das águas da baía, já atacada em suas margens originais e especialmente em sua vasta área de fundo, onde os manguezais sempre constituíram o ecossistema milenar da preservação da vida.
Foto @anapaula_albin