O arcabouço que preserva a memória do cantor popular deste país vai mal das pernas. Não de hoje me escandalizo ao dar de frente com o desprezo olímpico a que não segregados grandes personagens que fizeram várias gerações de brasileiros mais felizes. Quando estruturei o Museu da Imagem e do Som nos anos 60-70, deparei-me com testemunhos os mais aflitos, os mais soluçantes, os mais inconformados. Especialmente de personagens ligados à MPB, meus preferidos, que narrariam para a posteridade cavilosas histórias de abandono, de falta de reconhecimento, de apreço popular próximo a zero.
Tudo isso para lhes lembrar que Inezita Barroso, figura excepcional da cena artística, deixou um raio de luz ao morrer.
Alguns leitores me chamaram a atenção por não me manifestar quando de seu desaparecimento no dia 8. Pelo que me penitencio ruborizado.
Não, Inezita, não freqüentava paradas de sucesso, nem muito menos os volteios dos modismos fáceis e descartáveis. Ao contrário. O diminutivo de seu nome, na verdade, sinalizava o próximo do superlativo. Certa vez disse a ela, de pura brincadeira, que deveria se chamar Inezíssima ou Inezão, tal a importância abissal de sua ação para sustentar a dignidade das fontes do Brasil. Ao que me respondeu timidamente: “eu faço o que posso. Mas não me deixam fazer mais, razão porque até me dou por satisfeita em não ser chamada de Inezinha.”
Ela morreu aos quase noventa ainda trabalhando, levantando memórias, recuperando a argamassa das origens do Brasil profundo.
Eu costumo afirmar que Inezita Barroso – pela duração de seu trabalho (quase sete décadas) e pela dimensão da fidelidade de seu canto às origens matutas e folclóricas da cultura popular – deve ser obrigatoriamente relacionada entre as dez maiores intérpretes de todos os tempos. E ainda será pouco, acreditem.
20 de março de 2015
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin