“Quando as pessoas temem o governo isso é tirania. Quando o governo teme as pessoas isso é liberdade” (Thomas Jefferson).
O Brasil caiu pelo segundo ano seguido no Ranking mundial da liberdade de imprensa e ocupa agora o 107º lugar na lista. O estudo elaborado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras assegura que este contexto de deterioração do livre exercício do jornalismo foi acelerado pela pandemia do Coronavírus. Isso ocorre em toda a América Latina, mas o Brasil está agora atrás de Angola (106), Montenegro (105) e Moçambique (104). É triste, muito triste, essa situação de mais uma informação contra o Brasil. Ainda na América Latina o México aparece na posição 143. Ao menos dez jornalistas foram assassinados no país ano passado. O oposto dessa desolação são países como a Noruega (primeiro lugar pelo quarto ano consecutivo), Finlândia e Dinamarca. Apesar de críticas dirigidas ao presidente Trump, os Estados Unidos subiram no ranking e ocupam o 45º lugar, três acima do 48º do ano passado.
O ranking é publicado desde 2002 e avalia a situação da liberdade de expressão em 180 países, em relação ao desempenho e pluralismo, transparência, independência, anti-censura e violência contra jornais e jornalistas. Incluindo – hoje em pauta proeminente em nosso país – os crimes das fake news. Que, a meu ver, hoje em dia se aproveitaram sorrateiramente da economia de isolamento imposta pelo coronavírus. Tanto quanto o fenômeno explicitado na crise da economia pelo consumidor e a mão de obra. As empresas, sem poderem colocar a cara na rua e abrirem seu comércio, tiveram que, para sobreviver, começar a organizar a maior experiência coletiva de home office já vista, aderindo à delivery e à virtualização de serviços. Isso, por dedução lógica, movimenta também o mercado de tecnologia da informação e de consultorias.
O confinamento e o “nada a fazer em casa” são espaços vazios que se abrem naturalmente para os múltiplos veículos e mídias sociais. Inclusive os que se encobrem no anonimato, e que se aproveitam para difundir as hoje temidas fake news, agora processadas pelo STF, também vitimado, tanto quanto outras instituições fundamentais ao exercício da democracia como a Câmara dos Deputados e seus titulares, cujos representantes passaram nos últimos tempos à vítimas assíduas desses atos. Arrolados em boa hora como criminosos pela mais alta corte.
As fake News, um fenômeno mundial, representam um esbirro de índoles totalitárias, inconformadas por não encontrar abrigo nos jornais e veículos profissionais. Que jamais perdoaram a frase histórica de Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”. Sem amparo, portanto, correm para a marginalidade de mídias sociais, em geral compradas e quase incontroláveis, situadas na escuridão do ódio. Mas há outra face da moeda, essa solar e radiosa, nesses tempos de confinamento e de interdições de casas de espetáculos e teatro: são as lives, hoje uma quase (mas utilíssima) praga. Melhor dizendo, não praga, perdoem o termo que pode parecer preconceito, quando quero apenas dizer uma quase saturação, pela multiplicação desses eventos em todas as plataformas. Os artistas, os músicos, os cantores, e também debates culturais e até homenagens, que sumiram da visão pública há cem dias, voltaram em todos os horários, alguns disputadíssimos. Quando me refiro à saturação, reporto-me a mim mesmo, que, do estado de confinamento com o pouco a fazer, passei a ficar todos os dias ocupado pelas lives mais diversas, a última das quais especialmente prazerosa, porque em preito, a também vítima ilustre da epidemia, o escritor e economista carioca Carlos Lessa, promovido pela UNIRIO.
Certamente é animador que, não mais que de repente, apareça um possível antídoto para as nuvens escuras das notícias falsas e caluniosas. Um público cada vez maior pode assistir no conforto de seu sofá a shows de MPB e espetáculos internacionais. Ao que me consta não há um artista neste país que não desenvolva a sua live. Estão sendo agora disponibilizados também os palcos de teatro, com monólogos e peças que não exigem maiores gastos de montagem.
Todos proclamam que a virtualidade foi o que restou do jejum de público.
De fato, o alcance dessas plataformas é imprevisível, porque tudo é transmitido via streaming. A arte, que sempre alimentou os espíritos inteligentes e/ou cultos, viceja na dificuldade, e cresce no sofrimento da pandemia. Eis, portanto, o que pode ser alinhado como positivo no horror da pandemia e no desgosto do isolamento obrigatório, ou seja, o consolo inesperado do afeto virtual.
Como não pude dizer tudo o que queria sobre a liberdade e as fake news, ocorre-me o pensamento de George Orwell: “se a liberdade significa alguma coisa será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”. Cabe como uma luva às índoles totalitárias que se valem das sombras escuras e anônimas das fake news para insultar instituições e pessoas, que respaldam o exercício do estado democrático.
Ricardo Cravo Albin