Escola de samba, o maior espetáculo da Terra, nasceu muito humilde como um bloco.
Não era assim, contudo, quando as Escolas de Samba se iniciaram como agremiações carnavalescas. Na antiga Praça XI, centro dos desfiles, a música ouvida era os sambas que hoje intitulamos “de quadra”, ou seja, peças curtas e que desfiavam temas genéricos, ou numa parte (o mais comum) ou nas duas partes, sempre cantadas pelas pastoras. Um, dois ou até três sambas podiam ser apresentados, como me testemunharam Ismael Silva e Cartola ambos os fundadores das Escolas, especialmente o segundo, com a epifania de sua Mangueira. De Ismael, aliás, o Se você jurar, entoado pela “Deixa Falar” do Estácio, sairia de dois desfiles para ser gravado triunfalmente pela dupla Francisco Alves e Mário Reis. Muitos críticos apontam o aparecimento do samba descritivo, precisamente o samba-enredo, a partir do Estado Novo de Getúlio Vargas. Os compositores das Escolas eram instruídos pela Prefeitura do Rio a elegeram enredos que elogiassem as grandezas (ou belezas) do Brasil e de seus principais personagens. Seria essa data – um pouquinho mais, um pouquinho menos – a mesma do advento do samba-exaltação Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, que correria mundo, inspiraria tantos outros compositores e – o mais curioso – forneceria a fórmula ufanista para as alas dos compositores das Escolas. Que caía como uma luva para o governo instalado pelo autoritarismo nacionalista da Constituição de 1937.
Outra observação que deve ser proposta: o ato de manusear a história do país, seus heróis e mitos deu às escolas e aos compositores uma possibilidade de ascensão sócio-cultural. Da qual – não nos esqueçamos – eles foram sumariamente afastados nas duras lidas da vida de exclusão, de proletariado, do fronteiriço da miséria em que viviam, nas fraldas dos morros e dos casebres mais desassistidos da população urbana carioca. Não vejo, como certos sociólogos da música popular, o desfile (de antes e de agora) como uma escala de redenção para o nosso antigo lumpesinato musical. Mas sim como uma possibilidade – tão somente – de ele ser mais feliz. Ao menos por algumas horas, nos dias de carnaval. E, convenhamos, para quem não tem nada mesmo, a felicidade de ascender por algumas horas que seja já é fato
irradiador. E inesquecível para quem possa detê-lo . Mas não uma revolução proletária… Como, por exemplo, a sonhada nos anos 30-40 por Paulo da Portela, mas só que com outras armas e estribada na ideologia formal (no caso dele, a do Partido Comunista Brasileiro). E não ainda na ideologia do prazer, do canto, da dança. O Paulo Benjamin de Oliveira foi o compositor do primeiro samba de enredo (Teste ao Samba, 1939), claro que para sua Portela de coração, que neste ano conquistou o primeiro lugar.
Os anos 60 trariam um outro degrau de consciência muito promissor para as músicas das Escolas. Aliando-se à renovação estética proposta por Fernando Pamplona e sua histórica equipe de carnavalescos, o Salgueiro armou, a partir de Zumbi dos Palmares, uma série de enredos celebrando a cultura negra e seus personagens, como Chica da Silva e Chico Rei. E ganhou, para além da consciência das ancestralidades raciais dos protagonistas das próprias Escolas (os negros e mulatos em sua larga maioria), a auto-estima de suas origens e de seus líderes históricos, tão esquecidos pela cultura formal, quando não desprezados pela academia de então.
O Salgueiro se inovava e revoluciona o Desfile dentro do sutil tabuleiro de possibilidades que iria determinar o futuro apogeu das Escolas menos de meio século depois. O Sambódromo Darcy Ribeiro define a maturidade das Escolas de Samba, hoje o maior espetáculo popular do Brasil, a partir da cidade do Rio.
Embora consagrado dentro e fora do país nas últimos três décadas, o hoje monumental espetáculo foi objeto, ao longo de seu desenvolvimento desde 1930, de restrições e de incompreensões, tanto por parte da crítica especializada, quanto de alguns segmentos do saber.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cravo Albin
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