Em meio às tempestades político-administrativas que atordoam o país neste fim do temibilíssimo 2015, tenho a petulância de agregar ao espírito carioca alguns mimos. Esta semana, entre o Natal e o Réveillon, o Rio deveria mesmo abrir-se em pétalas perfumadas, ao menos nesses dias de festas, flores e luzes.
Mas o que será o espírito carioca utilizado para soerguer a auto-estima do Rio, por vezes tão combalida e problemática?
Bem, o espírito carioca é aquele velho e irrefreável sentimento de descontração, de largueza de gestos, do celebrar-se a cidade que nos inspira a todos por sua beleza indestrutível – e não aquela que pode nos acabrunhar pela onda de violência, impunidade, desencontros.
Não, as amargas, não, como diria Álvaro Moreira. Nós, os cultores do Rio, sempre pretendemos uma cidade amável, fraterna e vista por um viés que anda adormecido pelas montanhas de problemas. Mas a velha urbe resiste. E sempre resistirá. Porque é o acúmulo de boas memórias, de sentimentos úteis, de gente que vale e valerá sempre a pena. De coisas, objetos, definições sociológicas que são só nossas. Cariocas. Carioquíssimas.
Como não entender como Carioquice esta gente fantástica que faz da música carioca a mais sedutora do mundo? Aí está um vértice – graças a Deus, miscigenado – que vai do gênio de Cartola na Mangueira ao não menos gênio de Tom Jobim em Ipanema. Ambos inundando o coração da cidade toda.
Como não absorver como Carioquice personagens como Sérgio Porto, ou Carlos Heitor Cony, ou Vinícius de Moraes, ou Martinho da Vila, ou Lan? Com seus textos, seus cantos e seus traços modelados pela cara do Rio. Aliás, os cronistas e os caricaturistas (impossível não abraçar daqui Aroeira, Chico ou Jaguar) sempre puseram de pé a alma do nosso povo, em sua quintessência de verdades.
Como não degustarmos como Carioquice a comida carioca, aureolada triunfalmente pela feijoada dos sábados? Ou uma glória nacional que é a caipirinha? Ou outro suspiro de beleza que é a mulher carioca?
Como não vivermos em estado de Carioquice integral quando já roçamos o Réveillon? E os acúmulos do verão, da praia, do carnaval das Escolas de Samba, dos blocos de rua? Que já se desvendam aqui ou acolá.
Meu Deus do céu, se tudo isso – e mais um montão de coisas, objetos, afetos e qualificações – não for Carioquice, então é melhor devolver as chaves da cidade ao nosso padroeiro, São Sebastião. Para o santo se apiedar de nós.
23 de dezembro de 2015
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto
Cultural Cravo Albin