“Este prédio do Joseph Gire é da máxima importância para o Rio. Lucio Costa e eu beijamos a sua mão, em preito à sua coragem”. Oscar Niemayer em 1970.
Quando empreendi pesquisa sobre os prédios icônicos junto aos meus alunos de Belas Artes – isso já há quase vinte anos – quis avaliar o quanto os jovens estariam a par de segredinhos básicos sobre o Rio. A resposta foi majoritária, mais de 50% dos pesquisados responderam – “O Prédio A Noite”, na Praça Mauá, o mais alto arranha-céu então erguido na América Latina.
Não foi grande surpresa para mim, afinal “A Noite” abrigaria também, durante décadas, a mais famosa emissora da Era do Rádio (anos 30 a 60), a gloriosa Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Pois bem, há poucos dias o prédio foi comprado em leilão pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes. Que deverá entregar sua reforma geral a um empreendedor particular, que manterá obrigatoriamente as características básicas de sua arquitetura revolucionária.
O famosíssimo Edifício “A Noite” foi erguido na década de 20 em pleno centro carioca. Dizem os cronistas de época que caravanas desembarcaram no Rio apenas para se assombrar com aquilo que muitos “não acreditavam que pudesse ficar montado sem tombar ao chão. Um prédio que tocava os céus, com seus quase vinte e dois andares poderia desabar a qualquer momento. Era um fenômeno da engenharia e um milagre do homem atingir essa suprema audácia!”
As exclamações e o espanto que o “Edifício A Noite” causaria acabariam por criar das mais saborosas páginas de quase toda a década de trinta.
O primeiro arranha-céu da América Latina espantava em especial os turistas do “interiorzão” do país, as grotas profundas que vinham de Minas e de Mato Grosso (isso para não citar São Paulo, que diziam as crônicas, mordia-se de inveja da Capital Federal. Consta até a maravilha registrada pela Noite (jornal vespertino que daria nome ao edifício): “já é quase uma tradição que os turistas do interior não se aproximem senão 100 metros do prédio, por precaução, pura precaução, já que assim, um eventual desmoronamento não atingiria os turistas, assombrados viajantes por quilômetros para presenciar o fenômeno do primeiríssimo arranha-céu da Latino América.
Depois de um longo impasse nas últimas décadas, com o prédio vazio, a autorização para leilão do imóvel pelo Governo Federal se fez. E, surpresa geral, o Prefeito do Rio o arrematou para conservar suas linhas originais.
O imponente prédio logo conhecido como o mais célebre da cidade ficou pronto em 1929 com sua frente para a Praça Mauá. Em estilo “Art Déco” receberia o nome de Joseph Gire, arquiteto francês que o projetou – o mesmo autor dos hotéis mais importantes do Rio, o Copacabana Palace e o Hotel Glória. Construído no terreno onde funcionava o Liceu Literário Português, o “A Noite” foi logo reconhecido por este nome, o vespertino fundado por Irineu Marinho em 1911. De imediato passou a ser um marco da arquitetura moderna do Rio e um estímulo irresistível ao processo de verticalização do Rio. Até então, os prédios da Avenida Rio Branco tinham no máximo oito pavimentos.
A partir do ano de 1936, quando Getúlio inaugurou a Rádio Nacional, a mais popular dentre todas as emissoras, o Edifício “A Noite”, já conhecidíssimo, viraria um mito ao hospedar em três andares a Rádio Nacional, com os grandes cantores forjados por seus auditórios barulhentos, repletos dos fãs de Emilinha e Marlene, Dalva, Chico Alves, Orlando Silva e toda uma magia que até hoje persiste na memória dos que se encantavam com a Era do Rádio. Ali a Rádio ficaria até 2012, quando o prédio se esvaziaria.
Vale observar aqui que Gire utilizou a nova tecnologia do concreto armado, que impulsionou, segundo Mario Simonsen, todo o progresso das maiores cidades brasileiras, em especial a orla do Rio e toda cidade de São Paulo.
O prédio “A Noite” só seria ultrapassado como o edifício mais alto da América Latina, quando São Paulo inaugurou o Edifício Martinelli em 1934. A par de abrigar o vespertino “A Noite”, o edifício virou um suspiro de desejo do país ao testemunhar o crescimento e o prestígio até hoje sem qualquer comparação da PRA 8, a mais poderosa emissora da América Latina, a Nacional.
Em 2013 o prédio seria tombado pelo IPHAN, consolidando sua imortalidade.
É isso o que os cariocas pedem – a imortalidade do prédio – ao Prefeito Eduardo Paes, que em gesto raro comprou o icônico edifício. Para preservá-lo nas suas linhas originais. Apenas para resguardá-lo de especuladores desapiedados.
Apenas isso já merece o que fazemos neste espaço tão raramente, um elogio público às autoridades do Rio.
Nosso Prefeito exibiu sensibilidade apurada e sofisticada cultura urbanística. Além de demonstração de amor pelos pontos referenciais da Cidade.
Ricardo Cravo Albin