Os desfiles das escolas de samba, que finalmente se esgotaram anteontem com as campeãs, exibiram um inusitado resultado no eixo Rio-São Paulo. Com a vitória da Beija-Flor com Roberto Carlos e da Vai-Vai com João Carlos Martins o carnaval dos sambódromos une dois eixos distintos de música, a popular e a erudita. Coincidência ou não, ambas as consagrações ficaram no limbo, ou seja, isentas das críticas ácidas, do bateboca habitual,do destempero das indignações. “Menos mal”, confidenciou-me meu compadre Martinho da Vila ainda há pouco, ele, aliás, a configuração mais eloqüente do desfile e que andou
ausente do sambódromo. Justo este ano, em que Roberto Carlos e Nelson Cavaquinho, dois ícones cristalinos da MPB, foram homenageados com os primeiros lugares.
Por outro lado, quero daqui insistir – e tive a oportunidade de também chamar a atenção das televisões francesas e alemã – que, muito além da compreensão pontual e óbvia, esta consagração à música por parte da Beija-Flor e da Vai-Vai remete à diferenças sutis. Tênues, é verdade mas muito simbólicas, entre os temperamentos carioca e paulistano. Enquanto o Rio abraça a MPB – a cidade que criou do choro ao samba, passando pela bossa nova – a Paulicéia consagra a música erudita. Ou seja, o Rio descontraído , folgazão , de bermuda, presta tributo aquilo que a miscigenação mulata consolidou, que é mesmo sua essência anímica.
Enquanto São Paulo, mais severo, talvez mais formal, de gravatas e paletós, elege o maestro, a orquestra sinfônica, o rito dos seus antepassados italianos e europeus.
Ou seja, somos todos seres musicais. Mas que existem diferenças entre as duas cidades, isso lá existe mesmo…
Ricardo Cravo Albin Presidente do Instituto Cultural do Cravo Albin