Agora que estamos por celebrar mais missas em sufrágio da alma de Dom Eugênio Salles, não posso deixar de registrar aqui algumas impressões que o ilustre morto me provocou ao longo de espichada convivência. A primeira – e a mais acessa de todas – foi a firmeza. Não só de sua fé inabalável, mas a de seu comportamento pessoal.
Certa vez, depois de uma conversa a sós com ele, pedi-lhe que me ouvisse em confissão. Delicada mas firmemente, olhando-me com aquele olhar profundo e claro disse: “Mas v. acaba de me falar de suas dúvidas, de seus problemas ligados a fé, não há porque se confessar agora. A confissão é para absolver pecados pessoais, mas não problemas de outras ordens. E de mais a mais o simples fato de você enfrentar e ter a coragem de expô-los, já merece não uma absolvição, mas um elogio, por estar num caminho que pode levá-lo a um retorno à fé plena.”
Assim era Dom Eugênio, sábio e simples, paciente e firme, generoso e duro, quando havia necessidade. Num outro momento, acode-me dele a lembrança dos convites para fim de semana no Sumaré, uma espécie de retiro espiritual não canônico, não formal, nunca apostolar. Pelo contrário, eram encontros entre as possibilidades de se estabelecer laços de afeto entre o pastor e algumas ovelhas mais rebeladas, ou até mesmo mais aflitas.
Ali, no retiro bem perto do Cristo do Corcovado, a presença do homem superior que ele era se fazia notar de imediato pelos mais descrentes. Dom Eugênio tratava a todos, a maioria artistas, acostumados a incensar seus egos normalmente inflamados, com franciscana simplicidade e tolerância. Mas a altivez do seu espírito sempre preponderava ao cabo das primeiras horas de convívio.
Era bem o líder, como se fosse o escolhido por Deus para conduzir seus convidados à paz, aos bons sentimentos, à prospecção do bem.
A gente podia sentir que a presença da estátua do Corcovado lhe inspirava e o enchia de uma luz quase sobrenatural.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin