Para quem não sabe das sutilezas da literatura, a crônica é um gênero literário. Mas foi considerado por muito tempo, em especial pelos narizes mais retorcidos e preconceituosos, como forma menor, ou até nula, de se fazer obra literária.
De fato, é necessariamente menor, mais curta, mais rápida (ou não) do que o conto (seu quase pai, já bem mais alargado) e o romance (o grande avô tradicional, gordo e volumosos). Pois, o que deve mesmo ser avaliado na crônica, no conto, no romance, é a qualidade do texto, a artesania da construção, a possibilidade de provocar o belo e estimular os sentidos do leitor.
Recentemente, fui assistir à palestra do escritor e poeta Affonso Romano de Santana, ele também cronista de mão cheia que, no auditório da Biblioteca Nacional, destilou vagarosa e amorosamente o cronista Rubens Braga. Braga foi eleito o quinto classificado no bem sucedido projeto “Os Construtores da Literatura Carioca”, empreendido pela Academia Carioca de Letras em conjunto com a Biblioteca. O cronista foi pinçado por júri rigoroso de 80 especialistas exatamente por ser… cronista. E porque Braga, à frente de tantos outros como Paulo Mendes Campos, Sergio Porto, Olavo Bilac ou mesmo Drummond (para quem não sabe, o poeta foi também habilíssimo cronista)? Porque Rubem Braga era capaz de ver com lupas banalidades, sensibilizar-se com o cotidiano, e transformar em obra de arte insignificâncias aparentes, como o canto de um bem-te-vi, uma flor amarela desfolhada, ou um torso de mulher. Ou seja, em acontecimento literário. Até porque uma crônica pode ser poesia. E até soar como música.
Quem não leu Rubem Braga, pode ainda se consolar com cronistas de hoje, como, por exemplo, Joaquim Ferreira dos Santos, agudíssimo na forma e na sensibilidade do olhar e armar surpresas que enternecem o leitor. Para mim, aliás, ele é o melhor dentre todos, nestes chochos dias de agora.
Bem, a crônica foi o gênero coroado pela Academia Carioca de Letras como objeto de concurso de fim do ano acadêmico: o Prêmio João do Rio nos 450 anos. Ele também, o João, um opulento cronista da cidade ao começo do século XX.
De resto, as crônicas podem ser os olhos e os ouvidos, e, é claro, o coração, das levezas, dos detalhes banais ou das brisas suaves que o Rio pode inspirar. E que só uma crônica suspirosa ou perspicaz é capaz de perceber.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin