Pouco me apraz expor e comentar deslizes que possam tumultuar a imagem do Brasil no exterior. Alguns malfeitos, de tão aberrantemente imperdoáveis, não me descem à garganta sem soluços de desgosto, ou grito de inquietação, ou, vá lá, até um sussurro de protesto.
Nossa participação na Copa da Rússia foi vitimada logo ao inicio por dois eventos que chocaram a consciência dos que torcemos pelo Brasil, não apenas pelo time canarinho, mas pelo país como um todo, ou seja, um ente civilizatório original, miscigenado, não belicoso.
Ainda repercute nas redes sociais o medonho vídeo feito por um grupelho de rapazes que, ao forjar um assédio em torno de uma moça de nacionalidade russa, canta uma paródia de cantiga em baixíssimo calão.
O vídeo viralizou e foi visto por milhões de falantes do português. E ainda bem que só nós, os falantes do idioma, podemos compreender o insulto a uma mulher que nada entendia da velhacaria dos palavrões alinhados pelo bando de celerados. Que foi triplamente culpado. De início, por assediar e filmar sem aparente permissão uma mulher. Por insultá-la de maneira vil, valendo-se da incompreensão dela de nossa língua para destinar palavrões extremamente obscenos a seu sexo. Finalmente, pela má-fé desapiedada dos meliantes, fazendo-a acreditar em gentil serenata de latin lovers bem humorados.
Este triste episódio põe a nu a anatomia dos crimes continuados contra a mulher no Brasil, país que lidera as estatísticas inaceitáveis de assedio, estupro e assassinatos.
O segundo evento negativo foi o fiasco da não abertura da Casa do Brasil em Moscou, que seria inaugurada por Gilberto Gil.
Amigos meus me reportaram pelo Skipe que uma multidão se deslocara à Casa Brasil para assistir tanto à partida inicial com a Suíça quanto ao show. E nada. Tudo fechado. As desculpas dos organizadores chegaram esquálidas, quase inaceitáveis, apregoando que questões burocráticas impediram a conversão de reais em rublos.
Meus interlocutores de Moscou se declararam rubros de vergonha e de desapontamento.
Compreendemos todos nós que, aqui e lá na Rússia, o efeito de compromissos internacionais não cumpridos é devastador para a imagem do país. Sobretudo quando o Brasil é reconhecido como o país do futebol, além de pentacampeão da mesma Copa do Mundo.
Solicitei aos companheiros em Moscou que me enviassem o programa de nossa Casa de Convivência. E comprovei que as participações incluíam nomes significativos como Hermeto Paschoal e Emicida, além de palestras sobre literatura, miscigenação, arte popular, cinema. E até perfis de brasileiros amigos de Moscou desde a União Soviética, como Oscar Niemeyer, Luiz Carlos Prestes, Cândido Portinari, Jorge Amado. E, bela surpresa, Nelson Pereira dos Santos.
Até o momento em que escrevo estas mal-traçadas, nada soube da abertura da Casa Brasil em Moscou. Já apelidada pelo humor carioca de Túmulo Brasil.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin