No cipoal quase selvagem de siglas em que arde nosso espanto, a CPLP será das menos reconhecidas. Pois saiba que estas quatro letrinhas significam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, ou seja, letras aparentemente sem sentido ajuntam, em dimensão ideal e simbólica, a essência de todas as letras, uma língua. O único elo pétreo que pode agregar países diferentes entre si. A auto denominada Comunidade representa um Ministério internacional, cuidadosa e dramaticamente concluído há exatos 20 anos neste 2016. Eu assisti a vários segmentos de sua nem tão fácil gestação ao lado de um grande brasileiro, José Aparecido de Oliveira, então embaixador do Brasil em Lisboa.
O Zé, como os amigos o distinguíamos pelo carinho da intimidade, lutou anos a fio para por de pé um sonho. Sim, era sonho dele, mas necessidade urgente nossa. Não apenas do país-mãe da língua, Portugal, mas de todos onde a lusitanidade fixou cânones. Necessariamente esgarçados quinhentos anos depois pela fatalidade da progressão do tempo, escrito e falado.
As etapas da gestação da CPLP foram tumultuadas, difíceis e careceram de extremas sutilezas. Certa vez, ainda em Lisboa, eu presenciei o Zé bater à mesa em almoço na Embaixada. A tal ponto que o bacalhau servido por pouco não caía ao chão. O convidado de honra, seu grande amigo Mario Soares, vociferou alto em minha direção, para o anfitrião ouvir, “busque-me os sais e uma dose de forte calmante, que o Zé se faz escarlate e está a explodir.”
Muitas idas e vindas depois, a CPLP se instalou em 17 de julho de 1996, com preciosos assentimentos de presidentes-escritores Sarney e Fernando Henrique, cabendo ao mesmo FH inaugurar solenemente a Comunidade, na Torre de Belém, Lisboa.
Agora, para encerrar os 20 anos do feito desbravador, heróico e politicamente quase impossível, a Academia Carioca de Letras prepara sessão solene em celebração às duas décadas de CPLP. A proposta partiu do também Acadêmico Martinho da Vila. Creio ser do conhecimento geral que Martinho fixou raízes sólidas em todos os países lusófonos nestes exatos vinte anos, sendo aclamado, a cada turnê anual, pelos nove países que fazem emergir a nossa língua, “nossa pátria”, no dizer do poeta Pessoa.
O secretário-geral da CPLP, Murade Murargy, cuja sede é em Lisboa, tem status de Ministro Plenipotenciário. Chegará ao rio especialmente para ser homenageado pela Academia Carioca de Letras, com comendas, discursos dos maiores gramáticos do Brasil, (Edmilson Bechara e Domício Proença Filho), além de afagos dos Ministros Brasileiros da Cultura e do Exterior, ao lado de representantes dos países da Comunidade.
Camões regurgitará na tumba eterna erigida pelos sete mares de sua língua.
28 de outubro de 2016
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto
Cultural Cravo Albin