Já pedi neste espaço que não nos deixemos sucumbir pela sucessão de desgostos que o país nos inflige. Tudo o que ficou às claras a partir da Lava-jato, os escândalos sucessivos, as surpresas dolorosas – a mais grave a delação da JBS atingindo o Presidente da República – envolvem-nos em um redemoinho que vão projetando fragmentos do “corpus” nacional pelos ares, um braço aqui, uma perna acolá,os pulmões mais a frente. Fragmentos corporais em vertigem parecem liquefazer o Brasil.
Insisto, contudo, em que o coração deste país continua a bater , e resistirá sempre, mesmo no CTI, mesmo com pontes de safenas, ou marca-passos. Esparadrapos e unguentos vão se pespegando nas feridas, e o tecido irá se recuperando. Mas com sofrimentos e ardências que nos afligem a todos.
Emprego a linguagem de anatomia quase surreal para confrontar esta epidemia que assola o Brasil com dois casos de câncer infantil que me comoveram. O primeiro, fartamente divulgado pela imprensa, é o do bebê Maya, de apenas seis meses, diagnosticada no interior de São Paulo com câncer raríssimo (chamado, oh ironia, de AME), que lhe corta aos poucos a respiração. Há apenas um remédio, nos Estados Unidos, cujo custo pode chegar ao absurdo de três milhões de reais. Os pais, de pequena classe média do interior de São Paulo, lançaram pelo Facebook uma campanha para arrecadar recursos, cujo nome já nos corta o coração, AME Maya.
O segundo caso de câncer infantil que me abateu o espírito é o da menina brasileira de seis anos Bibi, que mora em Londres. Felizmente de família mais abastada, o caso me toca mais dolorosamente porque é de meu círculo familiar. A criança, uma das (lindas) gêmeas da empresária Gisela Dantas, foi diagnosticada com doença ainda mais rara que a de Maya, um câncer de tal ordem agressivo que os melhores médicos na Grã Bretanha lhe deram apenas dois meses de vida. Gisela recuperou-se do presumível estado de choque em menos de 24 horas. No dia seguinte, alçou-se a uma missão supostamente impossível, pesquisar na internet tudo sobre o devastador ETMR. E encontrou pistas nos Estados Unidos. Em uma semana a família já estava morando em Boston, onde o tratamento foi de imediato implantado na pequena Bibi.
Cito estes exemplos de força e determinação para realçar aos meus leitores que a persistência de duas famílias , movidas pela fé na recuperação da vida, bem que poderia servir de confronto e paráfrase com o Brasil enfermo de hoje.
Faltam-nos bons médicos (os políticos), enfermeiras cuidadosas (o corpo administrativo, paquidérmico ou corrupto ) e cirurgiões em pesquisas de ponta (o próprio presidente e seus ministros).
O povo continua sofrendo. Somos todos Maya e Bibi, em busca de alentos para males que parecem sem cura. Mas à procura de mães como a Gisela, de Bibi, cuja coragem e persistência se confrontam com Lara, mãe de Maya.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin