“Como vai você?” /Que já modificou a minha vida/Razão de minha paz já esquecida/ Vem, que a sede de te amar me faz melhor…” (Como vai você?” a canção líder em 1972, de Antônio Marcos, com Roberto Carlos, e mais de 20 regravações).
Ou, “Como vaes você?”/ Vou navegando/ Vou temperando/Pra baixo todo santo ajuda/Pra cima a coisa toda muda… O céu às vezes é tão claro /E outras escuro/Claro é o passado/Escuro é o futuro” (Como vaes você, Ary Barroso, 1937).
O escritor e cronista Marques Rebelo, também estudioso da MPB, cunhou valiosa expressão quando o recepcionei em 1966 no Conselho de Música Popular do Museu da Imagem e do Som: “Nada pode definir a alma brasileira com mais precisão que as canções que ganham a boca e o coração do povo.” Valho-me dele, Rebelo, que anda um tanto esquecido, embora dos mais interessantes integrantes da Academia Brasileira de Letras, para encimar este artigo com citação de duas canções, que respondem com graça e malícia, embora em termos figurados, como vai o Brasil hoje.
Certamente que vai navegando ou peneirando entre sustos e sobressaltos das contradições que nos atiçam a cada semana. Aliás, o atual Presidente é uma caixinha de surpresas que obriga os que acompanham atentamente o país a se acautelar com a saúde do coração. Portanto, resta rogar ao Presidente, em benefício dos corações em sobressalto, que modere seus rompantes, como ameaçar dar porrada no repórter do Globo, que cumpria sua missão ao informar.
O Brasil vai navegando… mas preciso saber de sua vida…
- em especial se Bolsonaro manterá a responsabilidade fiscal num momento crucial de gastanças inesperadas provocadas pela pandemia, que gerou necessidade de o governo socorrer vários setores sobretudo os mais pobres e a legião de desempregados, além de falências em cadeia de microempresários e prestadores de serviços. A pergunta procede quando o Presidente se encontra em campanha eleitoral e tanto o congresso quanto o governo se dividem a favor da gastança (especialmente em obras no Nordeste ou da injeção direta no bolso das multidões ainda mais empobrecidas pela pandemia. Ou da contenção de despesas, já que o país instituiu em 2017 o teto de gastos, austeridade assegurada agora ao menos por Paulo Guedes, ante pressões de todas as ordens, a começar pelo Presidente, que ainda acresce a esse gasto o projeto do Renda Brasil, uma nova Bolsa Família, com assinatura do Bolsonaro e não mais de Lula-Dilma.
O Brasil vai navegando…
- mas em turvas águas no que se refere ao meio ambiente, o calcanhar de Aquiles da imagem do país no exterior. Posso testemunhar, pelas conversas frequentes que mantenho com amigos (influentes) nos Estados Unidos e parte da Europa, que a imagem de um Brasil amável, terra feliz de samba e caipirinhas, se converte em um país que assassina o futuro, incentivando a barbárie do desmatamento sem controle, logo agregado ao suposto desprezo pelas etnias indígenas. Acusam-nos do abandono dos índios na tragédia da pandemia. Li artigos de professores de Harvard, Sorbonne e Oxford, peças acusatórias de altíssimo constrangimento, ao menos para mim. Tiro da algibeira um derradeiro argumento: a intervenção direta do Vice-Presidente Mourão, com a autoridade de conhecer a Amazônia, e lá ter morado, além de disposto a pôr ordem na casa semidestruída pelo Ministro do Meio Ambiente. Por ordem de Bolsonaro? eis a inquietação.
O Brasil vai peneirando…
- na também nevrálgica apreciação da política externa. Muito em especial por agora, com a possível derrota de Trump, considerado por todos como o modelo de Bolsonaro. Meus amigos acadêmicos (ainda atrelados à política terceiro mundista), de Jânio Quadros e Santiago Dantas, acusam o Brasil de diplomacia exótica e turbulenta. E entendem que essa política atinge os interesses nacionais de um Brasil mais profundo. Especialmente quando é por demais tímido e indeciso nos foros internacionais ao se atrelar a tudo que Trump determina. Como defender meu país com a contundência do apregoado exotismo brasileiro?
Não há como negar que o Brasil vai navegando…
- dentro de ondas gigantes porque a insatisfação contra o governo Bolsonaro no exterior volta às raízes do meio ambiente, incidindo em ações de boicote das maiores empresas agroindustriais contra nosso comércio exterior.
O país de fato vai mais peneirando que navegando ao enfrentar a censura econômica de suas exportações. O que, é de suma gravidade. Na semana passada, a JBS foi excluída do portifólio do Fundo Nordea, gestor de quase R$ 5 trilhões em ativos dos países nórdicos, liderados pela Dinamarca e Noruega. O custo da insensatez ambiental está aumentando, sem perspectivas de retroceder, a não ser com intervenção enérgica do governo com provas provadas por satélites do INPE – e não com a compra anunciada inexplicável de outro satélite mais lerdo e de resultados menos práticos. O cruel é que o Brasil é destino atraente num mundo com oferta de dinheiro para investimentos, além de o real estar muito desvalorizado. O que, é claro, produz ativos nacionais baratos. E quando menos não seja, ainda há tempo para conter disparates como “deixar a boiada passar”, frase ministerial repudiada dentro e fora do país.
O agronegócio por aqui exige a mudança para um comportamento mais racional. Até porque, pasmem, projeta-se para a próxima década, avanço na produção de grãos dos 251 milhões para 318 milhões de toneladas. A China já anuncia que estará comprando 30 % a mais neste ano.
Finalmente, o Brasil como vai?
- vai navegando em águas limpas, caso se amolde às exigências de todos nossos parceiros no exterior. Eles asseguram que não querem tiranizar suas teses preservacionistas. Ao contrário, querem um planeta mais saudável ao preservar o desenvolvimento sustentável.
O mote “Brasil alimenta o mundo sem destruí-lo” é o que nós precisamos saber de sua vida, como diz a canção do Roberto.
O planeta nos faz ressoar nos ouvidos a frase de Madre Teresa de Calcutá – “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota”.
Ricardo Cravo Albin