Minha última crônica (semana passada) com revelações sobre o monumental painel de azulejos de Djanira originalmente instalado dentro do Túnel Catumbi-Laranjeiras foi extraída do livro “Um olhar sobre o Rio”, publicado pela Editora Globo em 1999, hoje esgotadíssimo.
Por conta disso, quero crer, chegaram-me agora muitas solicitações para abordar outra historinha pulsante sobre o Rio – evento agora a cumprir 25 anos – e que seria a homenagem da cidade a Tom Jobim, o patriarca da música contemporânea do Brasil. O então prefeito Cesar Maia quase chegara a trocar as placas da Avenida Vieira Souto para Avenida Tom Jobim.
Por mais eloquente, a homenagem a Tom era descabida. De mais a mais, que ímpetos futuros não acabariam por derrubar nosso Tom da avenida da qual Vieira Souto poderia ter sido deselegantemente desalojado.
Uma lição permaneceria viva e alertava: a cidade que não respeita seus pontos referenciais pode ser capaz de aberrações de todos os níveis. O prefeito Cesar Maia – que é até afável, mas persistente – ainda insistiria em louvar Jobim, com mais um erro: desalojando o Visconde de Pirajá de sua avenida, para substituí-lo pelo Maestro. Mais uma vez logo protestaria pelos jornais contra a mudança de nomes públicos sem mais nem menos. E logo imaginaria a perplexidade de Tom ao ver o próprio Tom (se vivo estivesse) com a falta de respeito a nomes consagrados pela memória comum dos moradores.
Meses depois, comentando esses fatos com o então Ministro da Cultura Francisco Weffort, ele me deu pista preciosa. Fora exatamente ele que entregara em 1995 um abaixo assinado em que centenas de amigos de Tom pedíamos ao Presidente Fernando Henrique que desse ao aeroporto Galeão o nome de A. C. Jobim, não fosse o Rio onde se cristalizaria a MPB, uma cidade musical por excelência. Mas para isso só uma Lei a faria vigente. Nosso pedido fora enviado pelo Presidente ao Congresso em poucos dias.
O projeto de Lei dormitava no senado já por três anos e caíra no esquecimento, inclusive no meu. Weffort foi decisivo ao me provocar –“Por que você não cuida disso e desenterra o processo? Eu te ajudo. E telefonarei para os senadores pedindo pressa”. Dito e feito. De imediato cuidei de criar uma Comissão de Amigos do Tom, assim constituída: Barbosa Lima Sobrinho, A. Houaiss, Antonio Candido, Carlos Diegues, Chico Buarque, Edu Lobo, João Ubaldo Ribeiro e Oscar Niemeyer. Eu me reservei ser o último nome da Comissão para trabalhar, ou seja, fazer andar o processo. Tudo foi tramado a partir de julho de 1998. Na primeira viagem a Brasília (foram seis ao todo) obtive de imediato o apoio dos Senadores Gilberto Miranda (relator) e Benedita da Silva, que levaram o novo nome do aeroporto ao presidente do senado Antônio Carlos Magalhães. O processo logo entraria em votação e seria aprovado em 13 de agosto de 1998. O nome do aeroporto do Galeão seria Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro Antônio Carlos Jobim. O projeto logo seguiria para a Câmara dos Deputados. Esse nome, longo demais, eu tive que negociar com o Ministro da Aeronáutica. Porque se a palavra Galeão RJ saísse do cabeçalho, o país teria que gastar alguns milhões de dólares a mais só para alterar siglas e cartas internacionais. Eu sabia muito bem que o projeto poderia dormitar meses a fio mais uma vez na Câmara. Na quinta viagem à Brasília, o então presidente da Câmara Michel Temer me prometeu que levaria o projeto à votação em novembro, entre uma brecha e outra da nova Lei da Providência, prioridade absoluta de governo. A cinco de novembro (Dia da Cultura) a Câmara votou. Só que com emendas dos deputados Marcio Fontes e Fernando Gabeira, que simplificaram o nome para Aeroporto Internacional Tom Jobim. O que de pronto acarretou dois problemas: a não inclusão da palavra Galeão RJ, que custaria milhões de dólares a mais para definir o local e nome anteriores nos aeroportos de todos os países. O segundo problema era o emprego da abreviação do nosso Antônio para Tom. Afinal Tom é Tom apenas no Brasil, a abreviatura para Tom seria correta se o Maestro se chamasse Thomas e não Antonio, que seria apenas Tony. Negar a qualificação internacional do homenageado seria imperdoável. Em resumo: o projeto voltaria ao Senado. E mais uma vez em Brasília expliquei tintim por tintim ao presidente A. C. Magalhães, que pautaria Tom Jobim para a sessão de três de dezembro de 1998. Depois de relatório do Senador Artur da Távola durar apenas 15 minutos (um recorde solicitado pelo presidente Magalhães) as intervenções de Abdias Nascimento, Benedita, Francelino Pereira e Júlio Campos foram rapidíssimas. Derrubadas as emendas da Câmara ficou valendo o nome anterior Aeroporto Internacional do Galeão-RJ Antônio Carlos Jobim.
Passei então de imediato a frequentar várias vezes o gabinete do Presidente Fernando Henrique, onde me assegurei do apoio e reverência pessoal de FHC ao Maestro. E, por isso mesmo, insisti com ele que sancionasse logo o projeto de Lei.
A tal ponto que apenas um mês e dois dias depois de votado pela Câmara, o Palácio do Planalto promulgou a Lei em cinco de janeiro de 1999.
Acorremos todos à comovedora solenidade do Planalto com a presença de alguns amigos e admiradores de Tom Jobim, liderados pela viúva Ana Lontra e pelos filhos Paulo, Elizabeth e Maria Luiza. A grande homenagem ao Maestro Soberano estava finalmente sacramentada, presidida por um orgulhoso Presidente F.H.C.
Antônio Carlos Jobim foi o primeiro aeroporto internacional a abrir as portas do mundo ostentando o nome do mais popular compositor de seu país.
Ricardo Cravo Albin