Você sabia que o choro já tem quase 150 anos?
Na segunda metade do século XIX, a música ouvida pelas elites era, em geral, as óperas, as operetas e a música leve de salão. Os negros ou os brancos amestiçados das camadas baixas executavam e ouviam, via de regra, os estribilhos acompanhados por sons de palmas e violas. A tímida classe média – que começou a se incorporar no segundo império – ouvia apenas os gêneros europeus, ou seja, música leve dos salões das elite: a polca, chegada ao Brasil em 1844, a valsa, e ainda a schottish, a quadrilha, a mazurca. É nesse contexto que aparece o mulato Joaquim da Silva Callado (Rio, 1848 – Rio, 1880).
Flautista, com boa formação musical, Callado organizou os primeiros grupos instrumentais de caráter carioca e popular no Brasil: o choro, palavra que inicialmente indicava apenas uma reunião de músicos e só muito depois o nome do gênero musical. Era a música do gênio e da criatividade brasileiras. Seu conjunto mais famoso, formado por volta de 1870, chamou-se Choro Carioca.
O choro foi o recurso de que se utilizou o músico popular para executar, a seu modo, a música importada, que era consumida a partir da primeira metade do século XIX nos salões de baile da alta sociedade. A música gerada sob o impulso criador e improvisatório dos chorões logo perdeu as características dos países de origem, adquirindo feição e caráter perfeitamente brasileiros, a ponto de se tornar impossível confundir uma Polka da Boêmia, umaScottisch teuto-escocês ou uma Walsa alemã ou francesa com o respectivo similar brasileiro saído desses chorões que se chamaram Calado, Chiquinha Gonzaga, Anacleto Medeiros, Irineu Batina, Mário Cavaquinho, Sátiro Bilhar, Candido Trombone, Pixinguinha…
Entre as histórias sobre o nascimento do choro, conta-se que ele nasceu da reunião de três instrumentos: a flauta, o cavaquinho e o violão. Os instrumentistas, sempre os mais hábeis, reuniam-se informalmente, por pura diversão, para executar sua música carregada de sentimento, … Os instrumentistas, geralmente, eram pessoas humildes, funcionários da Alfândega e dos Correios e Telégrafos, ou da Central do Brasil, e o bairro do choro era, sem dúvida nenhuma, a Cidade Nova, Rio de Janeiro.
Mas, retornando aos decisivos momentos do final do século XIX nos quais se consolida a música popular brasileira: a partir de Callado, surge toda uma geração de chorões e de maxixeiros. O Teatro de Revista – cujo coração estava na Praça Tiradentes do Rio – era o grande centro consumidor e também irradiador da música popular desde as últimas décadas do século. Dentre todos os pioneiros, todavia, duas chamas individuais logo se destacam dos demais: Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth. Chiquinha grandíssimo personagem de essência da MPB – comporia mais de 2 mil músicas para suas 103 operetas populares dos Teatros da Praça Tiradente. Nazareth – semierudito, segundo Mario de Andrade, seria um dos pais do choro e da valsa de temperamento carioca.
Dentro dessa linha dos primeiros compositores populares para a classe média então emergente, é importante ressaltar ainda o nome de Catulo da Paixão Cearense (São Luiz, MA, 1866, Rio, 1946), autor fundamental de tantas composições que se incorporaram à antologia maior da MPB.
A imorredoura composição de Catulo, O Luar do Sertão (1910, gravada pelo Mário para Casa Edison), é usualmente considerada o hino nacional dos corações brasileiros. A famosa peça trouxe a glória definitiva a seu autor e também um “grave desgosto”, como chegou a confidenciar ao pianista Mário Cabral: a acirrada disputa com o violonista João Pernambuco (João Teixeira Guedes, Jatobá, PE, 1883 – Rio, 1947), que se considerou desde logo o autor da música, fato veementemente contestado por Catulo. Aliás, João Pernambuco foi não só extraordinário músico, mas também autor de obra curta mas interessantíssima, na qual se destacava um clássico, o choro Sons de Carrilhão.
Enquanto Catulo era o grande sucesso na Capital Federal do país, um Rio ainda acanhado e que dava os primeiros passos para se modernizar como grande cidade (“quando o Rio se limpava da morrinha imperial”, no dizer de Carlos Drummond de Andrade), apareceu em 1912 um menino de calças curtas tocando flauta melhor que gente grande. Esse menino virtuoso viria a ser o herdeiro de toda tradição musical inaugurada e cultivada por Nazareth, Chiquinha, Callado e Catulo, e também seria – pelo menos ao meu ver – o estruturador e o patriarca de toda a música que viria depois dele: Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cravo Albin
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