Ainda há dias escrevi aqui sobre meu espanto com os arreganhos da volta da censura, além da castração da liberdade de expressão, e da ameaça de grupos minoritários (até prefeitos) a forçar proibições à manifestações culturais. E volto ao assunto, indignado, por conta de ameaças que recebi logo depois da publicação do meu artigo. Indignado não só, mas assustado com a truculência das mensagens recebidas. O que me fez voltar, em ondas de memórias e em golfadas de desconforto, ao cenário dos anos 80. Durante quase uma década lutei contra a censura às diversões públicas nas barbas do Ministério da Justiça do Presidente Figueiredo, o impudente deputado Ibrahim Abi-Ackel.
Éramos um grupo pequeno de intelectuais e artistas, representantes da sociedade civil, a tomar assento no Conselho Superior de Censura, criado pela acuidade do Senador do Piauí Petrônio Portella, com a clara sugestão de começar a abrir o regime militar, preparando-o ao retorno da democracia. Como é sabido, o jornalista Pompeu de Sousa, em representação da ABI, e eu, em nome dos autores de televisão, rádio e compositores de música, em representação da ABERT, lutávamos ao lado de valorosos companheiros, Susana de Moraes (cineastas), Daniel Rocha (teatro), Herberto Salles (ABL)., entre outros. Nossa missão e paixão era a de confrontar o temível DCDP (Departamento de Censura às Diversões Públicas). Um ácido combate aos censores alojados na Polícia Federal roçava as teses que já pregávamos para clamar pela liberdade de expressão.
Os debates e a paulatina desmoralização dos pareceres da “casta inculta”, os policiais-censores, eram celebrados fartamente pela imprensa. E nós, os pareceristas contra a truculência, éramos presa fácil dos radicais do governo e de grupos de pressão. Vejo agora que são os mesmos os que censuram museus, que atiram pedras em livres-pensadores, que se querem defensores da moralidade pública e dos costumes. Como se não houvesse o sistema judiciário, e até o STF, para dirimir dúvidas e defender o radioso art. 5º da Constituição, que pulverizou a censura às diversões públicas.
Alinhavei aqui lembranças do passado por conta dos ataques e ameaças de que Pompeu e eu éramos vítimas. Nossos algozes se julgavam os donos da verdade e únicos orientadores da moral e dos bons costumes…
Tal como as acusações que acabo de receber por e-mails ofensivos e ameaçadores.
Nos anos 80 sofríamos a repressão porque expúnhamos nossa cara à tapa, éramos protagonistas de luta pública. Agora sofro eu repressão e censura tão somente por um artigo-crônica publicado. Portanto, como não avaliar tais insultos senão como um ovo da serpente? A se abrir. E dar à luz uma serpente-hidra de sete cabeças. Inculta, injusta e letal.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do
Instituto Cultural Cravo Albin