Podem anotar: a partir de agora, sobretudo nos dias finais deste abril, vocês vão ouvir, ler e ver Dorival Caymmi muitíssimas vezes. O bardo baiano, insuperável em qualidades e superlativos, cumpre cem anos de nascimento neste finalzinho do mês (30, para ser preciso). Tal como “as rosas, rosas, rosas, rosas formosas, rosas de abril”, que ele cantou em canção inesquecível, todas as flores cairão sobre a memória do Buda Baiano, como a ele se referiu seu contemporâneo e devoto Gilberto Gil.
Conheci Caymmi muito bem e até hoje guardo no coração nossas espichadas conversas telefônicas: sua voz calma e ondulante emolduravam frases delicadas e elegantes, quase sempre desaguando em considerações sábias, convenientes, persuasivas. Era um prazer a simples perspectiva de iniciar uma conversa com ele, até pela fina educação de seu comportamento, evocando aos meus ouvidos fidalguia e nobreza.
Dorival Caymmi será saudado nesse próximos dez dias por um país que clama sempre por mais respeito à memória, por mais robustez em celebrar aquele Brasil dos brasileiros que efetivamente valem à pena.
Caymmi – eu o chamava de “meu Caymmi”, possessivo carinhoso que o deleitava – é autor de obra singularíssima, diminuta em volume e grandiosa em qualidade. Ou seja, a proclamada (e injusta) preguiça que alguns desprevenidos costumam lhe pespegar não é senão a busca da perfeição, do arredondamento das ideias, da certeza do eterno. Eterno cuja construção há de ser sempre maturada e apascentada, mas veemente no seu vagar em busca do definitivo.
Nosso “Soba baiano” modelou em cada canção um retrato da vida, vida pulsante dos dengos da Bahia, de sua paisagem física e humana, dos tipos populares. E, sobretudo do mar. Que ele cantou numa coleção que, acredito, não tenha paralelo em nenhum lugar do mundo.
Amanhã, terça-feira, Caymmi receberá homenagem do Congresso Nacional. O país, ao menos por algumas horas, se curvará ante sua grandeza e sua imortalidade. Menos mal…
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin