Aos que me leem a cada semana, devo pedir desculpas pela insistência no tema que venho abordando, a urgente necessidade de cautela, de toda cautela, em relação à quebra do confinamento.
Esta última semana me forneceu um retrato muito preocupante da situação de quase descontrole que alguns Governadores e Prefeitos, falseando o isolamento social, ousaram impor aos estados e suas cidades.
Depois de me tomar de perplexidade nos últimos dias ao ver – na minha cidade, o Rio – impropriedades extremamente perigosas nas ruas, estou tentado a repetir uma frase quase macabra, mas não menos verdadeira: grande parte das populações das grandes cidades teria que usar camisa de força no lugar de máscaras e álcool em gel. Em seguida rumarem para o hospício, e não mais para os hospitais.
De fato, até parece uma loucura coletiva quando dois vértices se encontram: a falta de responsabilidade da população e a falta de preparo da autoridade sanitária, leia-se Prefeito e/ou Governador. Vale assinalar que existe um agravante, estamos às vésperas de eleições. E os políticos são capazes de tudo para agradar uma parte do eleitorado. Embora o relaxamento já se tenha comprovado um fato negativo para os eventuais candidatos, segundo muitas pesquisas de opinião. Inclusive, para o próprio Presidente Bolsonaro.
A última vítima do açodamento em reabrir comércio, transportes coletivos e até templos, foi o Prefeito Marcelo Crivella. Que acabou por levar severo puxão de orelhas do judiciário, cassando a reabertura em sentença. Em seguida, contudo, o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio cassou a liminar, arguindo a gravidade da situação econômica. Mas fechando os olhos para o óbvio, a desobediência da população e a fragilidade da autoridade sanitária.
É imperdoável a cegueira do Tribunal em relação à falta de preparo técnico da população para cumprir os protocolos de abertura gradativa em seis etapas. Logo na primeira, transportes coletivos, praias e templos, o desastre pareceu total, a liberação saiu pela culatra. Em resumo, as imprevidentes autoridades, quando prevenidas, fizeram ouvidos moucos ao bom senso. O resultado esperado é a subtração de votos em relação aos candidatos a cargos eletivos. Podem anotar: a continuar esse estado de coisas, a pandemia prosseguirá. Quem viver, verá.
Bem feito, digo também eu, que tanto me bati contra a precipitação das bondades oficiais em liberar a população para procedimentos coletivos que todos sabíamos que ela não cumpriria: praias cheias, transportes coletivos e templos apinhados, com pessoas quase grudadas umas às outras.
O professor da USP Miguel Srougi, um dos mais conceituados médicos do país, emitiu bela frase sobre isso: “Há pessoas que estão flertando com as trevas”. E acrescentou um dado que as autoridades sequer absorveram, considerando a enorme polêmica provocada pelo acéfalo Ministério da Saúde, que recentemente abriu polêmica inoportuna em relação a contagem dos infectados e mortos pela pandemia: os dados quantitativos de estatística mundial se pautam por curvas que vão sendo construídas por autoridades médicas de todos os países do mundo – que agora olham com desconfiança para os dados do Brasil. Eles mostram que quando um país passa de 100 casos, a curva de doentes que vinha subindo de forma lenta de repente empina e, a cada dois ou três dias, dobra o número de casos. O que provoca de imediato a desorganização do sistema hospitalar, apanhado de surpresa. Aqui no Brasil a gente assiste a este processo como espectador. No mundo inteiro morrendo gente, todos assustados, e o Brasil quis parecer otimista. E concluiu o professor Srougi – Essas medidas de fazer o “lockdown” não impedem o vírus de se reproduzir, senão mais lentamente. Ou seja, o Brasil não se aparelhou vendo a tragicidade da pandemia na China e na Itália e perdeu tempo para se preparar. O cientista não poupa o Presidente da República, argumentando que a posição dele ante a pandemia beira o imoral e incompetente, derrubando dois Ministros da Saúde em espaço curtíssimo de tempo, culminando na insensata polêmica de sonegar dados de informação sobre infectados e mortos. O que denunciaria a ruína da assistência médica no Brasil, principalmente para os mais necessitados. E conclui o professor da USP: os grupos mais bem posicionados socialmente vão sobreviver, inclusive porque, mais esclarecidos, se submetem sem esforços aos “lockdowns”. Ao final, todos reconhecem a pertinência do fechamento radical, quando a curva ascendente chega a níveis não tolerados pela ciência e infectologistas, inclusive a OMS.
Tanto quanto cientistas avaliam, já de olho no “day after” da pandemia, há que refletir que as pessoas vão se conscientizar de que a solidariedade e comiseração se tornarão essenciais nos países mais afetados pela gravíssima crise econômica e empobrecimento de países que fizeram péssima gestão, como o Brasil, sobre a tragédia da pandemia.
P.S: A morte de Carlos Lessa, grande carioca, um dos melhores brasileiros de sua geração, deixa o país mais pobre.
Ricardo Cravo Albin