Apuro a memória, nesta segunda-feira de Momo, para tentar localizar alguns dos meus reclamos sobre o carnaval. E me dou conta, um tanto encabulado, de que, há menos de uma década e meia, nós, os cronistas mais afeiçoados a observar com lentes de aumento a folia do Rio, debatíamos dois assuntos: o primeiro, a transformação das escolas em exércitos turísticos de luxo que marchavam, ao invés de sambar (o samba enredo acelerado era o ovo da serpente). O segundo, a pulverização do carnaval de rua, de que restavam a pioneira e absoluta Banda de Ipanema e o quase esquálido bloquinho da Miguel Lemos em Copa. Carpíamos a desolação das ruas do centro (Cinelândia e Rio Branco de passados gloriosos) e dos bairros silentes e macambúzios.
Hoje, já me conformo com a formatação atrevida das Escolas de Samba, um espetáculo mundial a que nem os sonhos mais delirantes de Ismael Silva, Cartola ou Paulo da Portela jamais ascenderam. Quanto às ruas, ah quanto às ruas…, a revolução foi atordoante, quase mágica. Os blocos se proliferaram qual coelhos em apenas uma década. E enfeitaram a cidade, regando-a com folguedos de todos os tamanhos e para todos os gostos, a que acode também uma horda de turistas nacionais e estrangeiros. O carnaval de rua do Rio chega a competir com o sambódromo, democratizando, abrigando criatividades, provocando a solarização e união dos foliões, que passaram a um outro patamar de acesso livre ao prazer e ao lúdico. De tal maneira intensos e incessantes, que já tumultuam a vida de alguns bairros. E até alguns de seus cronistas ressabiados, como Zuenir Ventura.
Pois este fenômeno das ruas fervilhantes carecia de um calendário, um guia que as definisse e pudesse ser informativo. Além de confiável aos milhares de turistas, até aqui sem informações pontuais.
Este guia passou a existir finalmente. E pelo extenso e belo trabalho de pesquisa dos jornalistas Aydamo André Motta e Cláudia Silva. Os dois construíram uma pequena jóia que organiza e premia. O do carnaval do balacobaco liberto e sem ingressos obrigatórios.
O site “carnaval e samba.rio” ostenta a programação completa das centenas de blocos cariocas. E agrega ainda um Banco de Bambas, ou seja, relação dos profissionais do carnaval com telefones e endereços. Disponíveis para tudo, de festas, de fantasias, de instrumentistas a serviços individualizados. O site gratuito do Aydano é pioneiro na folia. E poderá impor a informação. Ao menos às das ruas, aquilo “que não tem governo, nem nunca terá”.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin