A morte de Carmen Costa não provocou apenas lembranças e saudades de uma época de ouro da radiofonia e da própria música popular brasileira.
O desaparecimento da cantora impõe uma grave e triste reflexão da consciência crítica do país. Ao menos da banda não-podre que ainda existe neste Brasil insensato – quando não cruel – com a memória ou com personagens que valem a pena. O fato é que Carmen costa – que ai de cena aos 86 anos – estava há muito tempo quase na miséria. Mendigando aqui e acolá uns showzinhos ou pequenas participações em rádio e televisão. Sem sucesso, quase sempree. Aliás, a intérprete de marchas antológicas (como o Hino do Bola Preta ou Cachaça) e canções que se encravaram fundo na alma do país (como Quase ou Eu sou a outra), morreu lutando, reclamando, protestando. Grande Carmen! Que há anos sabedora do seu valor, pediu para ser tombada. Tombada como patrimônio pessoal do país, ela própria… E com razão, diga-se de passagem. Até porque Carmen participou da história da MPB desde o final dos anos 30. Lembro-me de dois episódios de sua imbatível bravura pessoal. O primeiro quando criei e apresentei para ela, juntamente com o antológico Ismael Silva, o show “Se você jurar”, que correu o país em 1974 e 75. Ela gritava ao final: “por favor, divulguem a gente, porque o povo pensa que nós já morremos”. O último episódio de destemor ocorreu há menos de 5 meses, quando o Conselho Estadual de Cultura, que eu presidia, fez questão de lhe conferir o Prêmio Golfinho de Ouro, como a melhor da MPB. Ela – que aliviou seus últimos meses de vida com os dez mil reais do prêmio – proclamou no palco do Teatro Villa-Lobos: “Isso prova até para mim mesma que eu ainda existo.” De resto, Carmen fez ali seu último show. Embora pequeno, todos consideramos o mais brilhante, o mais emocionado canto daquela noite. Portando, clamo daqui para que se faça algo – e urgente – pelos velhos intérpretes do Brasil.
Ricardo Cravo Albin
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