Uma novidade preciosa
CAETANO – Em análise literária de A.C. Secchin
Leia a íntegra da palestra do Acadêmico Antonio Carlos Secchin proferida na Academia Brasileira de Letras, dentro do ciclo “cidades”.
O professor Secchin, poeta, letrista e imortal, é também considerado refinado analista das esquinas literárias da MPB e de seus grandes compositores.
Aqui então dois estudos inseridos no ciclo da ABL “Cidades” em que são abordadas por Secchin as letras de Caetano Veloso para as cidades de São Paulo (“Sampa”) e Londres (“London, London”). A ultima, “London, London”, é belamente traduzida do inglês (sua versão original) pelo poeta e acadêmico Antonio Cícero.
Londres Londres
Vagando sem destino por aí
Por Londres Londres linda vou sozinho
Atravesso as ruas sem temer
Todo o mundo abre-me o caminho
Ninguém há que eu conheça e cumprimente
Só sei que todos abrem-me o caminho
Estou sozinho em Londres sem temer
Vagando sem destino por aí
Enquanto meus olhos
Procuram discos voadores lá no céu
Ah, domingo e segunda, outono passam por mim
E gente apressada mas tranquila
Pessoas se dirigem a um guarda
Que aparentemente acha agradável agradar
Ao menos viver é bom e eu concordo
Ao menos ele aparentemente acha agradável
É tão bom viver em paz e
Domingo, segunda, anos e eu concordo
Enquanto meus olhos
Procuram discos voadores lá no céu
Não escolho olhar para rosto algum
Não escolho caminho algum
Apenas me acontece estar aqui
E é legal
Grama verde, olhos azuis, céu cinza, Deus abençoe
Dor silenciosa e felicidade
Eu vim para dizer sim, e digo Mas meus olhos
Procuram discos voadores lá no céu. (Disco Caetano Veloso, 1971)
SAMPA
1 Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João,
é que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
da dura poesia concreta de tuas esquinas,
da deselegância discreta de tuas meninas.
Ainda não havia para mim Rita Lee,
a tua mais completa tradução,
alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João.
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto,
chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto,
12 é que Narciso acha feio o que não é espelho,
e à mente apavora o que ainda não é mesmo velho,
nada do que não era antes quando não somos mutantes.
E foste um difícil começo, afasto o que não conheço,
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade,
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso.
19 Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas,
da força da grana, que ergue e destrói coisas belas,
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas,
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços,
tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva.
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba,
[mas possível novo quilombo de Zumbi,
e os novos baianos passeiam na tua garoa,
26 e novos baianos te podem curtir numa boa. (Disco Muito, 1978)