Não, não são os bambas de hoje, ícones de reconhecimento geral. Refiro-me, aqui – e o faço com emoção – aos centenários (neste mês) de nascimento de Jamelão e de Cyro Monteiro. Fiquem certos de que cabe fazer este preito – modestíssimo embora – a ambos, que foram figuras de essência no século XX. Sobre Jamelão, o mais conhecido hoje em dia, não precisaria me estender muito, já que sua memória está mais acesa que a de Cyro na lembrança coletiva. Até porque ele foi à voz da Estação Primeira da Mangueira. Voz no sentido literal, já que era o intérprete oficial do samba-enredo no desfile da Escola, ponto culminante de ordenação e vida da agremiação. Jamelão, que detestava a palavra “puxador” do samba, foi na exata acepção do termo o intérprete, o cantor, a voz. E que voz! Por décadas a fio seria a personificação da alma, do suspiro, do êxtase da Mangueira, seu resumo e sua paixão. Jamelão, contudo, participou paralelamente da Era do Rádio como cantor de sucesso. E de consagração, já que colheu na fonte, e criou, obras de compositores como Lupicínio ou Ary Barroso.
Sobre Cyro Monteiro, para celebrá-lo, basta emitir-se uma frase proferida por Vinícius de Moraes: “ele é o maior cantor brasileiro, além de ser um abraço na humanidade”.
O poeta, como sempre, antevia a verdade e a beleza. Cyro foi, a par do cantor mais cheio de bossa, de precisão, da malícia e manemolência do samba, um ser humano iluminado. Conheci-o muito bem, até mais que Jamelão, e posso asseverar que o Formigão, seu apelido na radiofonia, foi mesmo uma pessoa rara. O convívio com ele, além de um prazer, era um prêmio. Cyro foi claro e transparente como o luar. Criador de parte da antologia da MPB, seus sucessos contam-se às dezenas. As músicas que ele criou ainda estão engastadas nas gargantas e na alma do repertório de sempre, das serestas, das rodas de bamba.
Só que a poucos acode a lembrança de quem descobriu, de quem gravou, de quem mapeou o sucesso dessa coleção inestimável de canções. Foi ele.
Portanto, celebro – por dever e por paixão – as memórias de Jamelão e de Cyro Monteiro, os aniversariantes de maio nos seus cem anos de nascimento.
O país – se fosse mais atento e justo com sua memória – deveria manifestar-se mais e melhor.
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin