“São as trapaças da sorte/ São as graças da paixão/
Pra se combinar comigo tem que ter opinião”. Sueli Costa e A. C. Brito in “Face a Face”.
Sim, os versos inesquecíveis de Sueli Costa e A. C. Brito me ocorreram nem sei bem porquê, ao refletir sobre certas notícias lidas nos últimos dias sobre os paradoxos, as contradições do Brasil. As trapaças da sorte, sim, mas também as trapaças dos erros e o paradoxo de que o Brasil age como se fosse por vezes um país de cabeça pra baixo, ou melhor, ao contrário da lógica, negando hoje o que foi estabelecido ontem. Listo a seguir certos absurdos que perfilei. Alguns, acentuo, porque me chamaram a atenção pelos despropósitos das interpretações que podem provocar.
Começo pelo absurdo das disputas dos dois aeroportos. O Santos Dumont, superlotado no centro da cidade, enquanto se observa o esvaziamento do seu irmão Tom Jobim na Ilha do Governador. Ou seja, o paradoxo existe por razões óbvias, que configuram duas verdades que a maioria custa a aceitar. Um fica no coração do Rio, ligando todos os bairros da cidade quase de imediato, portanto, distâncias mínimas tanto quanto irrisórios custos de taxi. O Tom Jobim exatamente o oposto. E mais: na origem, um é internacional, foi remodelado recentemente e tem enorme extensão. O outro sempre foi de linhas domésticas, em dimensões muito menor.
A observação claríssima faz todo sentido: o doméstico é preferido pelo público, porque confortável e extremamente charmoso, com sua vista deslumbrante para o perfil da cidade, tendo as águas da baía quase como pista. Já o internacional, et pour cause, vai minguando e fica quase inativo. A contradição fica, pois, explícita. Estudo divulgado pela Federação das Indústrias do Rio (FIRJAN) atesta que a capital do Estado perde quase cinco milhões de reais por ano pelo fato de inexistir coordenação eficiente entre os dois principais aeroportos. Claríssimo: maior circulação de mercadorias pelos terminais significa equilíbrio e planejamento, além de mais arrecadação para os cofres públicos, mais imposto, mais empregos. Só agora, com as contradições a flor da pele, as autoridades parecem se dar conta do desajuste, da falta de gestão. No período da pandemia, informam as pesquisas, o Santos Dumont se manteve com 9 e 10 milhões de passageiros, enquanto o Tom Jobim caiu de 17 milhões em 2014 para 5,9 milhões em 2022. Conforto e custos baixos provocam as preferências dos passageiros. Lei da oferta e da procura óbvias… Restam às autoridades competentes ações mais ágeis e pontuais para organizar o que se desorganizou.
Anoto a seguir a perplexidade com que a nação foi surpreendida pelo bárbaro assassinato na creche de Blumenau – Santa Catarina. O que circulou de teses amalucadas e soluções nebulosas para que se evitassem tais tragédias, me dá conta de que algumas autoridades fariam melhor se silenciassem. Evitariam até ofender as vítimas que pipocam pelo país com constância assustadora. Aliás, pesquisas da USP indicam que o culto às armas e a multiplicação do arsenal nos últimos quatro anos teriam ajudado a ampliar ainda mais os riscos dessas horrendas tragédias. Os governos, em todos os níveis, devem se afastar de demagogias fúteis. E investir em estudos acadêmicos, a partir do entrelaçamento dos informes mais intricados que se possam colher, vindo dos professores, das equipes administrativas e também dos alunos. Um tratamento de choque com certeza há de ser empreendido, embora científico e profissional. Não com distribuição sem planejamento de verbas gordas e perdulárias.
Ricardo Cravo Albin
11/04/2023