Não costumo exteriorizar emoções causadas pelo fluir de experiências pessoais. Mas há pouco tempo denunciei aqui o estado de abandono a que a chamada “ingratidão nacional” confinou a cantora Carmélia Alves, uma diva da era do rádio. Levado por Júlio Bueno (futuro presidente do Fluminense Futebol Clube) e pelo líder dos artistas Stepan Nercessian. Acabo de chegar do Retiro dos Artistas. Onde fui levar, precisamente, a Carmélia Alves. Que relutava – o que ocorre mesmo a quem não conhece o Retiro – em lá ficar e viver.
Tomo o verbo viver como paradigma do que testemunhamos nessa visita emocionante, porque reveladora. Para início de conversa, o Retiro é uma encantadora comunidade situada na mata de Jacarepaguá. E desde a entrada, uma atmosfera de simpatia e de felicidade nos envolveu. E de imediato nos cativou. A simplicidade e o afeto perpassam pelos rostos do pessoal de apoio. E culminam nos titulares das casas e das suítes, os artistas, os velhos artistas abandonados pela família, ou pela desfamília, ou – o mais certo – pelo Estado Brasileiro. E que oásis! Que cuidados generosos em todos os detalhes, que vão do lazer com show no Teatro Iracema de Alencar – essencial item para os que foram do palco a vida toda – até à enfermaria, à lavanderia e ao restaurante. Que apresenta comida decente e qualificada. Com os tantos desgostos que o país nos provoca por obras inúteis e perdulárias, soube que o Retiro existe – a duras penas – desde 1918. E que foi oficializado pelo Sindicato dos Artistas em 1964. Agora, muitíssimo bem administrado pelo grupo liderado pelo Stepan, quem lá vai pode de imediato comprovar: é modelar. Agora estou revigorado, menos aflito. Porque há, sim, um destino e um porto seguro para minhas velhas amigas, as cantoras do rádio.
Ricardo Cravo Albin
Jornalista e escritor
www.institutocravoalbin.com.br