Este 2012 é ano gordo de aniversários, das chamadas datas redondas ou – com o perdão da palavra muito feia – efemérides.
Na literatura, celebram-se os 100 anos de Jorge Amado e Nelson Rodrigues. Na música popular- essa imbatível paixão dos brasileiros – os 100 anos de Luiz Gonzaga, o rei indiscutível do baião e
do forró, e de Herivelto Martins, também um dos mais importantes nomes do cancioneiro popular desde os anos trinta. Além, é claro, dos 70 anos de gente tão querida como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, todos felizmente entre nós, viçosos, cheios de vida e em plena atividade. Mas se celebram também os 70 de uma morta ilustríssima, Nara Leão, que acaba de receber há pouco tocante homenagem da Academia Brasileira de Letras.
Nara – apelidada por Sergio Porto de musa da bossa nova – foi muito mais que musa, que definição renovadora da canção popular ao começo dos anos 60. Ela – é o que mostraram na Academia Roberto Menescal e Cris Delanno com opulência – foi também descobridora de gente fundamental como Chico Buarque de Holanda e Sidney Miller. E mais: redescobriria gente não menos fundamental e que jazia esquecida nas pesadas brumas do olvido publico e do preconceito do porte de Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti.
Nara, a brava leoa, foi sempre, desde seu desabrochar como cantora, uma opositora do regime de 1964, ela que lança seu primeiro LP exatamente no ano em que se instaura o governo militar. Quero referir-me a este disco – que considero entre os dez mais importantes de toda discografia brasileira – exatamente porque Nara Leão, de quem todos esperavam apenas um disco repleto de temas bossa-novistas, incluiu nele músicas dos esquecidíssimos na época, embora já geniais, Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti. Ou seja, esse faro para valorizar o que valia a pena, essa tenacidade, essa força de lutar pelo que era bom e estava acima dos modismos, fez de Nara um vulto singular, uma figura rara e preciosa. Tanto que logo depois, ela lança Maria Bethânia no seu show Opinião, música que cantada por Menescal e Cris na Academia levou um numeroso publico às lagrimas. Lágrimas de emoção e gratidão à gentil garota do banquinho, da franjinha e do violão daqueles pesados anos 60.
Ricardo Cravo Albin Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin