O conhecimento e a amizade com Francis Hime datam de quase 60 anos.
A culminância dessa adorável amizade foi exatamente nos dois anos finais da década de 90, às vésperas das celebrações dos 500 anos do Brasil. Curioso é que nos unimos para projetar o único evento com que a Cidade do Rio homenageou a chegada de Pedro Álvares Cabral. É claro que haveria de ser um evento com música. Por tudo. Primeiro pelo compositor, melodista e maestro que Francis foi e é. Segundo porque o Rio, a mais famosa cidade da América do Sul, tem como chave a densidade e excelência de sua música popular.
Ocorreram-me várias ideias, que incluíam até óperas e balés. Do turbilhão nasceu o achado que é sempre o mais simples e inteligível. Nada mais nada menos que uma sinfonia para o Rio. Mas que Rio? A cidade que viu e argamassou quase todos os ritmos deste País tão intensamente musical. E que foi sede de todas as formas de governo desde o colonial ao republicano, o que só poderia mesmo fornecer um roteiro que se aclarou em minha cabeça numa única noite às vésperas do carnaval. Corri a mostrar o que estava já embutido no meu espírito ao meu velho amigo. Lá chegando, recebido sempre com o calor habitual por ele e Olívia, com Joana à espreita, desfiei o que o Rio havia inspirado. Uma sinfonia popular em cinco movimentos perfilando os gêneros musicais que a engravidaram em 500 anos. Na sequência de primeiro ao quinto movimento, os seguintes: O Lundu (negro), A Modinha (branca), O Choro (miscigenado), O Samba (diretamente das senzalas e dos carnavais cariocas), A Bossa- Nova (da última geração de herdeiros disso tudo, incluindo Francis, liderados pelo violão e voz de João Gilberto, das harmonias de Tom Jobim e da poesia de Vinicius de Moraes).
Francis escreveu cinco obras-primas para cada um dos movimentos, que pesquisei a fundo, entregando o resultado aos poetas Geraldinho Carneiro e Paulo Cesar Pinheiro. Ambos com Francis puseram a sinfonia de pé, com o título original da cidade, em honra ao Rio de São Sebastião, a mui heroica e leal capital da América Latina em sua melhor essência. Francis exibiu com fartura sua criatividade, empregando uma Orquestra Sinfônica, o Coral e elementos criativos e estimulantes de percussão. A estreia da Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião no Teatro Municipal foi consagradora, com o público aplaudindo por mais de dez minutos, tanto Francis quanto os intérpretes de cada movimento, Lenine, Zé Renato, Leila Pinheiro, Olívia Hime e Sérgio Santos. A surpresa foi de fato embriagadora porque a única peça que se conhecia antes era a breve Sinfonia do Rio, de Tom com Billy Blanco.
Tal êxito se plantou tanto na memória da Música Universal que a Sinfonia seria exibida em Paris pela Unesco. Até hoje me parece, espero que Francis concorde, que será ela sua obra-prima, entre tantas.
Um abraço não pandêmico, mas de coração aberto do seu sempre, Ricardo Cravo Albin