“Enquanto houver um analfabeto neste país, a vergonha é nacional. Alguns milhões serão uma vergonha para o planeta como um todo.” – Juscelino Kubitschek, em Diamantina, ao deixar a Presidência.
Esta frase de JK, creio que colecionada pela atenta guardiã de sua memória, a querida Maristela Kubitschek, sua filha, veio-me à cabeça ao investigar no IBGE as taxas de analfabetismo. Esse tema, o analfabetismo no Brasil, foi assunto determinante em quase toda minha formação como cidadão, desde os folguedos de adolescente no colégio Pedro II Internato, aos então rígidos bancos universitários, já homem feito, na Faculdade Nacional de Direito, dentro do histórico Largo do CACO (Centro Acadêmico Candido de Oliveira).
Quem viveu a época – e tantos ainda podemos testemunhar – acode-se com nitidez que o existir analfabetos em um país que se prezasse simplesmente seria jogá-lo no deplorável balaio dos países semibárbaros, sem honra e desprezíveis.
O que pude apurar das pesquisas foi um choque pessoal e um profundo sentimento de inconformismo. Por quê? Porque quando minha geração se consolidou na crença de que o analfabetismo deveria ser banido para sempre, todos ficamos à reboque de o tempo passar. Essa aspiração tão visceral estaria sendo banida do país, pensávamos, ao longo de tantas décadas, tantos governos a prometer melhorias.
Compartilho o susto com vocês, que talvez não saibam o que agora me leva a testemunhar rubro de vergonha e desalento. O Brasil ainda tem quase 10 milhões de analfabetos (para ser preciso, 9,6 milhões com 15 anos de idade ou mais). As más notícias trazem outros infortúnios. O nordeste foi apontado como a região onde vive mais da metade desses pobres (sim, sim, pobres cidadãos com cidadania zero). Com destaque para, oh! vergonha, o Piauí (onde se comprimem 14,8 %, a que se segue Alagoas, com 14,4 %). Atentem para a outra face da moeda: no Rio a taxa é de 2,1% e no extremo sul, o Rio Grande Gaucho ostenta 2,5%.
O IBGE ainda revela que o maior contingente dos que não leem nem escrevem incide sobre os idosos que não tiveram possibilidade de escolaridade em suas infâncias ou juventudes, isto é, décadas de 50, 60 e até 70. Menos mal incidir sobre idosos? Nem tanto. Mas, aí vem o pior, as crianças de hoje, segundo o IBGE em 2021, não têm capacidade de leitura ou de escrita, em nível horrorizante de 56%, dentro do 2º ano do Ensino Fundamental. Cabe recordar aqui o que não é agradável se repetir: o nosso foi o segundo país do mundo com mais escolas fechadas durante a pandemia. Por que, atos desprezíveis só acontecem por aqui? Isso ocorreu, mas quem paga por esse crime? Ninguém, como de hábito. E isso depois de comprovados na pandemia os resultados quase nulos dos esforços feitos (e gastou-se muito dinheiro, por certo) para se tentar o ensino a distância. Outro fracasso, a dar em nada.
Lamento trazer aqui o desempenho das crianças brasileiras do quarto ano do Ensino Fundamental avaliadas no mundo inteiro. Entre 65 países, o Brasil ficou no 59º lugar, atrás, podem chorar, do Uzbequistão e da Turquia. E mais. E mais: segundo pesquisas internacionais, a metade de nossas crianças não recebe alfabetização na idade recomendável. E apenas 43% podem ler aos 8 anos. Por que o tamanho dessa tragédia nacional? Ou não deveria ser rotulada com tamanha ênfase como tragédia? Claro como água que a grande tragédia será a soma da aplicabilidade da educação no eixo federal, estadual e municipal. É só nos debruçarmos sobre quais os responsáveis nesses três níveis pela ausência, pelo desprezo e falta de piedade, no mínimo de piedade para com o futuro do país, ao longo das apurações das pesquisas. Comprovaram os culpados? Anotem-lhes os nomes para jamais votar neles.
Concordo plenamente com opiniões de que cabem ao Congresso Nacional medidas urgentes para aliviar a tragédia anunciada. A começar pelos estados onde a falta de administração, visão e previsão atingiram índices insustentáveis, como as vergonhosas taxas do Piauí, Alagoas e Paraíba. Eles teriam e têm obrigação moral de, com o MEC à testa, resgatar essa vergonha. Uma vergonha que se espalha pelo planeta.
Um analfabeto já é inaceitável. Dois milhões, então, como definir?
P.S: Verto uma lágrima pela morte do Embaixador Baena Soares. Um dos homens públicos mais lúcidos do país, ao qual prestou serviços inestimáveis como embaixador e como pensador e crítico. País que ele criticava por vezes. Amando-o, contudo, com fervor.
Ricardo Cravo Albin
13/06/2023