Lá pelo desabrochar dos 80, quando lutávamos contra a censura às artes embaixo das barbas reacionárias do Ministro da Justiça de Figueiredo, o Deputado Ibrahim Abi-Ackel (pai do hoje deputado Paulo Abi-Ackel, relator do primeiro julgamento pró-Temer na Câmara), ocorriam proibições à cultura a torto e à direita.
Éramos um pequeno grupo de representantes da sociedade civil, eu, pelas emissoras e rádio e televisão, além de sociedades musicais de direitos autorais, e Pompeu de Sousa pela ABI, entre outros companheiros das “guerrilhas pela liberdade de expressão” contra o terrível DCDP, Departamento de Censura as Diversões Públicas.
Acodem-me essas memórias que pensava esmaecidas quando me dou conta agora dos humores sensórios que aos poucos vão se amiudando nestes tristes tempos. Uma frase de protesto me comoveu em especial, até porque a empregávamos com razoável freqüência entre 1979 e 1989, quando chamávamos a censura de “a velha dama indigna”. O que Millor Fernandes refez para “a velha bruxa digna de fogueira”.
A voz a que me refiro veio do artista e ativista chinês (asilado pela coragem de apregoar a liberdade) Ai Weiwei, e que proclamava que “a censura às artes é o primeiro passo”. Nada tão sábio e contundente. O primeiro passo de quê mesmo, cara pálida? Da perda seqüencial das liberdades de ir e vir, pensar ou falar. Ou seja, o negror da ditadura. Tal como ainda estão apregoando alguns insensatos, que vociferam pela pulverização do regime representativo e a volta do militarismo. Como se isso fosse remédio eficaz para o estado da putrefação dos homens públicos de hoje, que seriam de pronto defenestrados. E o que poderia ocorrer? Perseguições, prisões, e de novo … a censura implacável.
A Weiwei, com a sabedoria e agudeza de sua voz vinda do outro lado do mundo, somou-se um coro de protestos de intelectuais. Porque agora são sequenciais as proibições às obras de arte. Não carecem citar aqui as agressões sensórias ao Masp, à exposição do Homem Nu (coreógrafo Wagner Schwartz), a agressão à terreiros de candomblé, à proibição dos Tambores de Olukun no MAM, de rodas de samba na Praça Tiradentes, etc, etc. E a castração estratégica do desfile das Escolas de Samba, diminuindo-lhe as verbas necessárias?
Também me inquieto com o que leio sobre o risco da censura obrigatória localizada. Um receituário esdrúxulo que pede a babel de várias sentenças sensórias. Ou seja, comarcas regionais ditando o que é certo ou errado, o que é bom ou mau. Meu Deus, contra isso lutamos em passado remotíssimo. E jamais imaginaria que voltassem as velhas damas indignas. Melhor, as bruxas peçonhentas, aquelas que deveriam arder na fogueira em preito à liberdade de expressão. Estarão de volta? Estão, sim. Cabe à consciência culta e libertária do país dar um basta. Antes que seja “o primeiro passo”.
27 de outubro de 2017
Ricardo Cravo Albin
Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin